Crítica: Cats
Alguns dos musicais mais conhecidos pelo público são adaptados dos palcos da Broadway para o cinema e até mesmo vice-versa. Nessa década prestes a encerrar, a popularidade desse gênero foi crescendo, mas não necessariamente por adaptações boas, e na linha tênue entre “maravilhoso” e “desgraça”, Cats faz todo “Rock of Ages” (o filme, não a versão da Broadway) parecer um “Noviça Rebelde”.
Baseado no icônico musical de Andrew Lloyd Webber, uma tribo de gatos conhecida como Jellicles precisa escolher qual gato irá ao Heaviside Layer, uma espécie de “paraíso”, e começar uma nova vida como um gato melhor. Se você já achou essa sinopse resumida um tanto peculiar, prepare-se, pois o seu desenrolar é idiota. O processo de determinar o escolhido é composto por quase todo os gatos cantando uma música sobre eles mesmos e explicando porque fulano merece renascer. No geral, é uma competição no estilo “American Idol” cuja cerimônia de premiação é um sacrifício Maia. Tudo isso é bastante problemático em relação ao musical em si, mas adicione isso a inúmeros outros erros e o resultado é esse circo de horrores disfarçado de filme.

O elenco conta com nomes talentosos, todos desperdiçados, e Jason Derulo, que arruina o personagem de Rum Tum Tugger e cuja participação é uma piada. James Corden, Judi Dench e Ian McKellen entregam cenas de muita vergonha alheia, o solo de Rebel Wilson é a personificação de um pesadelo e Idris Elba me fez rir muito, mas por todos os motivos errados. Em meio a várias desgraças dos atores, houve uma pequena luz no fim do túnel com a imagem de Robbie Fairchild, cujo Munkunstrap foi minha salvação para não desistir. Se não fosse por sua mera presença, e Jennifer Hudson cantando “Memory”, teria saído da sala de cinema em milésimos de segundos. Além disso, “Memory” foi uma das três músicas que não foi completamente destruída, assim como “Macavity” (apesar da aparência tenebrosa de Taylor Swift e Idris Elba) e “Skimbleshanks the Railway Cat”, um mega número de sapateado cortesia de Steven McRae.

Escolher apenas alguns dos erros para comentar é impossível, mas como preciso de um ponto de partida, que tal o roteiro? Além de cortarem metade dos gatos, a tentativa de construir uma narrativa tradicional (início-meio-fim) falha dolorosamente e tira um dos charmes do musical original, que é a ausência de tal estrutura. Fizeram um repaginada total no ambiente da história ao trocar o cenário de um lixão pelas ruas de Londres, o que deixa as músicas quase insignificantes e transfere o foco à música nova, “Beautiful Ghosts”. Composta por Taylor Swift e Andrew Lloyd Webber, apesar de ser uma música fofa e acomodada à voz doce da novata Francesca Hayward, o estilo não se encaixa com a vibe e trama de Cats e afunda na genericidade. Já músicas originadas nos palcos foram massacradas por novos arranjos ou más interpretações, como a versão “Dance Dance Revolution” de “Jellicle Songs for Jellicle Cats”, o jazz aleatório que transformou “Mungojerrie and Rumpleteazer” negativamente e o clima “We Are The World” desnecessário em “Mr. Mistoffelees”.
Não queria estar na pele da equipe responsável pelos defeitos visuais. Desde a estreia do primeiro trailer, todo mundo aloprou com o visual bizarro do elenco e a escala de tamanho ridícula. As escolhas desse departamento são no mínimo questionáveis e vergonhosas, tanto que o diretor Tom Hooper revelou que os efeitos só haviam sido “terminados” horas antes da pré-estreia mundial. Mesmo anunciando depois que outra versão, com efeitos melhorados, é uma extrema falta de profissionalismo e desperdício de 100 MILHÕES DE DÓLARES. Faz com que esqueçamos que ele já dirigiu filmes aclamados como “A Garota Dinamarquesa”, “O Discurso do Rei” e “Os Miseráveis”, um musical que funciona muito bem nas telonas apesar de errinhos. Meu amigo, não tenho como te defender.

Com isso, aprendemos que nem todo material funciona bem se adaptado para outra plataforma, seja ele um livro, HQ, musical, peça e até videogame. É triste ver 2019 encerrando com essa atrocidade nos cinemas, desrespeitando o legado de um maiores musicais da Broadway, apesar de não ser meu favorito. Pior filme do ano? Com certeza. Da década? Talvez.
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