Crítica: Você (You) - 2a Temporada

A nossa querida e singular Larissa Moreno (escritora assídua aqui do site) tem um termo para definir aquelas pessoas que amam se apaixonar; que, independente das enormes possibilidades de se machucarem, insistem em um novo relacionamento, mesmo sabedores de que os antigos conflitos de antigos relacionamentos ressurjam em nova (ou antiga, uma vez mais) roupagem para, depois, se tornarem a mesma coisa do que os de outrora; logo depois, continuam a se apaixonar e se apaixonar e se apaixonar. O termo cunhado, então, por nossa Larissa Moreno é o “serial lover“, em clara união do conceito de alguém que ama com alguém que é um psicopata em série. Pois bem. A segunda e nova temporada da série original Netflix, Você (You), é a definição mais extrema e completa do conceito trazido por nossa escritora. Se durante a primeira temporada (crítica no link) contemplamos a construção de um Joe que ama incondicionalmente, mas que, na verdade, se mostrara um psicopata; nesta continuação observaremos alguém que parece encontrar no amor sincero e verdadeira e real chance de redenção.

A primeira temporada concluíra com um toque de continuidade devido ao sucesso que causaram os 10 primeiros episódios da série criada por Greg Berlanti e Sera Gamble: a antiga e até então fantasmagórica ex-namorada de Joe (em boa atuação de Penn Badgley) reaparecera do nada – o passado trazido por Candace (Ambyr Childers) poderia colocar Joe em verdadeiro perigo. Eis que, para escapar disso tudo, o nova-iorquino tenta “desaparecer” indo para o lugar do mundo que mais odeia, utilizando uma identidade falsa, tentando ao máximo despistar a ex: ele se torna Will e vai para Los Angeles. Tentando reconstruir uma vida, nosso Joe/Will a todo custo permanece alheio às pessoas. Mas o cara – lá vem a Larissa de novo – é um serial lover inveterado e de cara se vê como o superprotetor de suas vizinhas e irmãs: a adolescente Ellie (em preciso trabalho de Jenna Ortega) e Delilah (pela super-maravilhosa-absolutamente-estonteante Carmela Zumbado). Apesar dos flertes incessantes com a mais velha Delilah, Joe/Will se apaixona perdidamente mesmo por Love Quinn (pela fofíssima, linda e carismática Victoria Pedretti). A sensação que temos é de uma segunda temporada nos mesmos moldes da primeira, mudando tão somente os envolvidos. Mas a série consegue, de fato, trazer algo novo.

Ahh… Carmela Zumbado.

De início, e eu coloco nisso aí os quatro primeiros episódios, os roteiristas parecem um tanto perdidos entre conflitos que surgem, a princípio, para compor episódios previamente estabelecidos pelos produtores. Como se tivesse uma história para cinco episódios, que necessitam, em termos mercadológicos, ser dez. Porém, aquilo que aparentava mero complemento de conflito para os personagens, de fato, vai tomando forma e tudo vai se encaixando. A série, portanto, engata e segue viagem com a mesma pegada de seu debut. Aqui temos a apresentação de algumas facetas de Joe/Will: em certos episódios (mas não em todos) conhecemos um pouco de sua infância, o trauma (quase cliché, mas necessário) pelo qual passou e que talvez explique a forma dele de agir e pensar; a batalha que trava com a ex Candace, para tirá-la de seu caminho definitivamente; a proteção às já aludidas Ellie e Delilah (para mim, devia ter uma série só da Delilah; só com ela e mais ninguém); a construção do amor incondicional que nutre por Love; mas, sobretudo, a vontade firme e determinada do protagonista em tentar não mais incorrer na sua psicopatia tão latente durante os 10 primeiros episódios. Mais do que novos capítulos de um romance que vai tomando contornos insanos, a ideia aqui é a luta contra a insanidade por alguém que se assume completamente maluco. Suas justificativas internas não mais funcionam para si mesmo e ele necessita parar com isso. Love é a resposta aparente para que seu pecado seja perdoado por si próprio.

A narrativa que parecia se perder no início consegue colocar seus blocos dramáticos lado a lado, sem perder as partes de romance que continuam a funcionar e a causar tamanha identificação no espectador. No entanto, a mesma preguiça vista e comentada em minha primeira resenha da série acerca dos roteiristas que insistem em “Deus ex machina” ou soluções tiradas da cartola para resolver a trama que parecia chegar em um beco sem saída se mantém presente nesta continuação. Nada, porém, que tire o trem dos trilhos e que nos faça perder o interesse pela produção. De fato, se um pouco mais pensada e trabalhada, o resultado seria algo melhor; mas considerando os pontos de chegada, esses defeitos ficam em segundo plano. O grande destaque vai para o principal ponto de discussão: Você (You) nos coloca dentro dos atos hediondos de uma mente bizarra, mas incondicionalmente apaixonada, e se utiliza de alegorias extremas para definir praticamente a esmagadora maioria dos relacionamentos: tóxicos, egoístas, narcisistas. Você alguma vez já se viu fazendo algo em um relacionamento, mas condenando sobremaneira a atitude de seu parceiro, que estava a fazer EXATAMENTE o que você fizera? Certamente. Posso apostar. E é por esse caminho que Joe/Will, Você (You), e você mesmo, envereda.

Dois em busca de amor incondicional.

Atingindo o mesmo resultado, porém um tantinho melhor e mais profundo, além de mais interessante também, se comparado à primeira temporada (dá um desconto para o início, quando parece um trem desgovernado, sem saber que caminho trilhar), Você (You) tem muito mais significados e alegorias que seu bloco anterior. “Perturbado atrai perturbado”, afirma Joe/Will por diversas vezes. Seria a paixão uma perturbação, uma espécie de auto-flagelação que insistentemente queremos para nós mesmos? Ou há no amor algum tipo de redenção? São muitos “e se…” em relações que se utilizam da figura da pureza para se resumir a uma ilustração de caos. A construção do personagem Joe/Will é a prova deste debate que parece ser eterno de tão repetitivo. É nisso que, mais do que tudo, a segunda temporada se mostra necessária e sincera. Poderia, porém, ter sido definitiva. Mas o aparente novo sucesso faz o sistema pedir por mais outra e mais outra e mais outra. A conclusão nos dá margem para uma continuação. Não vou julgar, como fiz de início em relação a esta e descobri estar completamente errado. Mas, de verdade, essa temporada poderia ter sido definitiva.

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