Crítica: Kursk - A Última Missão (Kursk)
Thomas Vinterberg é um dos mais representativos cineastas dos anos 90. Junto com Lars Von Trier, ele é o autor do Dogma 95, um manifesto que lançou dez mandamentos para que cineastas produzissem obras apartadas dos recursos hollywoodianos e investissem em um cinema mais simples e mais profundo. É dele, aliás, “Festa de Família”, o primeiro filme do movimento e uma obra-prima em todos os aspectos. Agora, com Kursk: A Última Missão, o diretor embarca pela primeira vez na realização de um blockbuster bem distante dos ideais do decálogo de 1995.
O filme é baseado na tragédia de 2000, quando o submarino russo afundou após várias explosões. Centrado na luta pela sobrevivência dos tripulantes no fundo do mar e na batalha de suas famílias em terra lutando contra os obstáculos políticos impostos pelo governo russo, que rejeita ajuda internacional para não parecer diminuído, e a arrogância dos oficiais militares, enquanto esperam e torcem por um final feliz que, sabemos todos, não ocorreu.
Aliás, o fato de todos sabermos a história do filme vai se revelar ao longo de sua exibição uma força e uma fraqueza. Por um lado, a obra se esmera em trazer frescor e criar tensão sem soar desrespeitosa com as vidas perdidas. Mas, por outro, o filme acaba se tornando desinteressante em certos momentos.
O roteiro de Robert Rodat, que tem em seus créditos o excelente “O Resgate do Soldado Ryan”, brilha na construção do prólogo. O inicio do filme, através do roteiro e da direção esmerada de Vinterberg, focaliza o humano. Assim, o espectador é apresentado àqueles homens pelo que eles têm de mais afetuosos: suas famílias, suas mulheres, filhos e a amizade que une os marinheiros. Desse modo, o filme é bem-sucedido ao fazer com que se criem laços com as personagens.
Na construção desses laços o elenco excelente manda muito bem. Como protagonista, Matthias Schoenaerts constrói um Mikhail Averin que incorpora com muita competência o papel de líder e companheiro da tripulação, enquanto sua esposa Tanya (Léa Seydoux em forte atuação) atua da mesma forma em terra com as outras esposas. No outro lado do embate, Max von Sidow brilha como o chefe da Marinha russa (dá vontade de bater nele), enquanto Colin Firth é muito consistente como um oficial inglês que oferece ajuda.
Outro ponto positivo da produção é a edição tensa, ritmada pela câmera frenética de Vinterberg. A fotografia que se coloca de forma diferente dentro do submarino e em terra, com um uso muito interessante de lentes, também brilha, assim como a trilha sonora do sempre impecável Alexandre Desplat.
No entanto, em que pesem as qualidades da produção, o filme não consegue escapar de, embora lidando de forma bem bonita com emoções e memórias, uma certa sensação de “incompletude”. Até pelo conhecimento prévio que o espectador possui, fica uma sensação de que faltou algo “novo”, mesmo sabendo-se que ali não daria para fazer uma virada à la “Titanic“.
Outro ponto menos forte é o “ar” de produção feita de fora. Do roteiro ao elenco internacional falando inglês, o gosto que fica é de algo feito com o olhar do outro, de fora. Em certas cenas, deixa-se um vácuo do olhar russo frente à tragédia.
Mas, entre dores, vida e morte, Kursk: A Última Missão é um filme forte, tenso, oportuno e, acima de tudo, humano. E nos leva a questionar (e lamentar) como arrogância, política e orgulho dos poderosos pesam cruelmente sobre famílias inteiras que nunca mais serão as mesmas.
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