Crítica: NiNoKuni
Antes de eu ser espinafrado aqui pela grafia do título do filme lançado ontem pela Netflix, eu preciso dizer que fiquei tão surpreso quanto vocês quando descobri que é assim que NiNoKuni foi vendido nesse formato de anime em longa-metragem, o que eu particularmente não entendi, já que o videogame que deu origem à obra saiu no ocidente como “Ni no Kuni”. Felizmente, essa é praticamente a única diferença na essência da história contada pelas duas mídias. NiNoKuni, o filme, e Ni no Kuni, o jogo, são essencialmente obras que se valem do colorido mundo dos animes infanto-juvenis para contar uma história com um tema que pode ser muito pesado se tratado de forma indelicada: a perda e a possibilidade da perda.
No primeiro jogo, “Ni no Kuni: Wrath of the White Witch”, nós acompanhávamos as aventuras do menino Oliver em um mundo de fantasia, mágica e uns bichinhos fofinhos a la pokemón que ele usava para lutar contra seus inimigos. Ocorre que isso é só o que está na superfície. No videogame, Oliver era na verdade um menino traumatizadíssimo com a morte de sua mãe, ocasionada, de certa forma, por algo que ele fez. A maneira dele de lidar com isso é se retrair para um mundo de magia e fantasia no qual toda a ação se desenrolará e ele eventualmente aprenderá uma lição valiosíssima sobre a vida, finalmente aceitando a perda da mãe e a inevitabilidade da morte. É profundo, é denso e tem um subtexto trabalhado de forma magnífica para um JRPG (gênero de RPG de videogame característico do Japão) que tem uma estética até um pouco infantil. Há ainda outros jogos, mas eu não os joguei, então não posso falar com propriedade, mas, ao que me consta, todos lidam com a mesma coisa em seu cerne.

Um dos principais acertos dessa estética vinha sem dúvida da participação decisiva do lendário Studio Ghibli, o que não veio a se repetir no filme. No videogame, o Studio Ghibli prestou consultoria na direção de arte e foi responsável pelos cinematics, enquanto que aqui essa mesma participação não ocorreu. Seja por isso ou não, o fato é que a animação e arte em si são muito boas e bem condizentes com o que fora estabelecido pelos jogos, mas pecam de uma forma quase que imperdoável por causa da escolha em se usar o 3D em algumas passagens, prejudicando sobremaneira o filme e tornando a animação claramente anacrônica quando, por exemplo, aparecem monstros grandes (mal) renderizados em 3D em cenários 2D.
A história segue a mesma lógica, mas desta vez é mais voltada para um público adolescente, com seus protagonistas tendo os 16 a 18 anos de 90% dos protagonistas de qualquer anime. Aqui acompanhamos o cadeirante Yu e o craque dos esportes Haru. Os dois são amigos de Kotona e é por causa dela que os dois são magicamente transportados a um mundo de magia e fantasia para buscar uma forma de salvá-la. Funciona, portanto, como os jogos. O problema é que não funciona como os jogos. Deu pra entender?
A lógica é igual. Como no jogo, merda acontece e pessoas são transportadas a um mundo mágico para tentar consertar essa merda. Diferente do jogo, isso tudo aqui não é estritamente uma alegoria para ensinar a lidar com a perda ou com qualquer outro sentimento negativo, porém presente na vida de todos. Aqui a coisa toda acontece de forma literal, como parte de uma trama que acaba por se tornar confusa com o tanto de gente de um mundo que tem sua contraparte no outro mundo, mesmo a obra se esforçando para ser didática o tempo tudo na tentativa de explicar essa trama que se mostra complexa além da conta. E não é uma complexidade daquelas que a gente fica satisfeito quando entende, é só porque o roteiro segue por caminhos forçados, que muitas vezes não fazem sentido dentro da história, somente para, minutos depois, explicar pra gente exatamente o que aconteceu. Acaba sendo um pouco bobo demais.
Não se engane, contudo, NiNoKuni consegue divertir com sua história e, principalmente, com o mundo que cria. Mas é só. Enquanto o jogo divertia e ia muito além do puro entretenimento, a obra cinematográfica se contenta em ser apenas um filme sobre magia, mundos paralelos e jovens de 17 anos salvando o mundo, mais ou menos como boa parte dos animes por aí. Não traz nada novo ao gênero do isekai e muito menos ao dos animes em geral, mas faz com que esse velho de 37 anos queira pegar de volta o PS3 das mãos de seu sobrinho de 7 anos e jogar Ni no Kuni de novo.
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