Crítica: O Limite da Traição (A Fall from Grace)
O Limite da Traição apareceu na listagem da Netflix como se fosse a grande estréia da semana do streaming. Em sua sinopse, trazia, após a informação principal do enredo, a impactante frase “Um filme de Tyler Perry”. Recheado de suspense e investigação, a promessa que assumimos era a de uma obra que envolveria o espectador com um caso cheio de reviravoltas para os personagens envolvidos. Mas será que foi isso que realmente alcançou Tyler Perry, em sua nova produção?
Duas são as histórias sobre as quais o filme se debruça, ligando-as uma a outra. Trata-se, por um lado, de Grace (na única boa atuação do filme, por Crystal Fox), presa e acusada de ter tirado a vida de seu próprio marido de maneira brutal. Acontece que ela era a cidadã-modelo: já coroa, participava da Escola Bíblica Dominical de sua Igreja, ajudava os sem-teto, trabalhava há anos na mesma empresa (em cargo de confiança). Como ela poderia ter agido de forma tão extrema? Do outro lado da história, sua advogada da defensoria pública, que recebe o caso pura e simplesmente para garantir a assinatura do acordo, já que Grace assumira a culpa: Jasmine (Bresha Webb) desconfia que a acusada assume uma culpa que não seja dela e opta por levá-la ao tribunal, onde terá a chance de defendê-la.

Ocorre que Jasmine é extremamente inexperiente e faz uma cagada monstra diante do juiz, em uma cena tão bizarra que a leva à prisão temporária, por desacato. Mas, voltando ao enredo principal, Jasmine tenta a todo custo buscar provas da inocência de Grace e falha absolutamente em conseguir. Do lado de lá, vamos conhecendo, junto com a advogada, as motivações de Grace e o motivo de ter sido acusada em seu novo relacionamento, com um rapaz com idade para ser seu filho. O filme de Perry, portanto, conta com uma parte dramática na história específica de Grace e com uma parte estilo filme de tribunal, com o julgamento liderado pela “novata” Jasmine. O resultado disso não é uma narrativa bem lapidada que consegue associar ambos os gêneros de maneira dinâmica e interessante. O resultado, muito pelo contrário, é uma leve esquizofrenia de um filme que não se entende nem uma, nem outra coisa. Como se Perry tivesse juntado dois tipos de filmes independentes entre si e colocado algo que os ligasse para que a esquizofrenia não fosse completa.
Aliado ao fato de ser uma obra que não sabe o que é, temos uma fotografia sem personalidade, não dando qualquer atmosfera à produção, não fazendo uso de seus recursos, nem ao menos tentando torná-lo essencialmente naturalista, já que não é nada cinematográfico. Colocando nessa receita atuações pouco inspiradas e um roteiro nada inspirador, não sobra muita coisa para o novo feito de Tyler Perry, cineasta conhecido por dar uma muito necessária representatividade aos negros americanos, ainda que o faça por meio de obras que, em geral, são lamentáveis, passeando entre as comédias a la zorra total e melodramas equivocados. Não por acaso, este filme segue na mesma esteira, mais se assemelhando àquelas produções voltadas para TV fundamentalmente (o que a Netflix não é em suas obras originais, antes que o amigo leitor comece a destilar ódio ao dizer que o streaming é obrigatoriamente de televisão). Apelando, em conclusão, para uma trama rocambolesca, como se tentasse tirar um coelho da cartola para dar uma sensação impactante ao espectador, o filme flerta com um terceiro gênero, deixando tudo ainda com mais cara de esboço do que já parecera até ali.

Não gosto de sentenciar qualquer obra cinematográfica a um erro. Como sempre falo por aí, é preferível um filme ruim do que nenhum filme. E não vou ousar colocar uma frase adversativa aqui. Por pior que tenha sido a nova realização de Tyler Perry, ainda que tenha deixado a desejar em absolutamente todos os seus aspectos, é melhor assistir a esse filme do que a nenhum. Eu só fico me perguntando por qual motivo alguém com tanta experiência resolve errar tão feiamente assim? Não sei se fui só eu e minha mulher, mas você também ficou intrigado com aquele figurante no restaurante olhando direto para a câmera, sem parar, enquanto a conversa dos personagens principais rolava no meio da tela, se perdendo, portanto, no que eles diziam? O que sobra é um filme de alguém com anos de trabalho que flertou muito intimamente com um amadorismo bem claro.
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