Crítica: A Possessão de Mary (Mary)
O terror é um gênero perigoso. Não pelos sustos que ele pode causar, mas pelo enorme risco de se produzir algo muito fora (e pior) do que se imaginava. Uma maquiagem errada, um grito fora de hora, uma frase mal calculada e já era. O que deveria causar medo vira motivo para gargalhadas. Alguns filmes deram certo por esse motivo, diga-se de passagem, e entraram para a história como cults amados justamente por suas tosquices. No entanto, quando um filme de terror dá errado e continua querendo ser levado a sério, o resultado é desastroso. É nessa última categoria que se encaixa a estreia da semana, A Possessão de Mary, de Michael Goi, e estrelado pelo vencedor do Oscar, Gary Oldman.
Oldman interpreta (na falta de uma palavra melhor) David, um capitão que, disposto a começar um novo negócio e um novo capítulo da vida com a esposa Sarah (Emily Mortimer) e suas duas filhas, compra um velho barco chamado Mary e se lança ao mar com a família nele. O barco se revela assombrado por uma entidade sobrenatural cuja motivação para matar nunca é satisfatoriamente desenvolvida pelo roteiro e, daí pra frente, o filme só afunda (com trocadilhos).
A produção é sofrível. Tudo parece dar errado nela, a começar pelo roteiro. A história é um amontoado de clichês do gênero, sem o menor desejo de soar nova em nenhum momento. Para piorar, o texto é cheio de frases gongóricas e grandiosas, que parecem ter sido diretamente retiradas de livros de autoajuda, de palestras de coach da internet e das correntes que sua tia manda no grupo da família no whatsapp. O que nos leva a duas possibilidades: a) o roteirista errou muito feio ou b) é um caso claro de possessão demoníaca.
Nos quesitos técnicos, as águas não são cristalinas. Os efeitos visuais são o suprassumo do bronco (cada aparição da criatura não faz nem rir, tamanho o constrangimento) e não será preciso saber a diferença entre edição e mixagem de som para se saber, de cara (ou de ouvido), que os efeitos sonoros são constrangedores. A fotografia soa imperceptível de tão sem personalidade, assim como a direção de arte. Tudo isso embalado por uma trilha sonora risível. O que, mais uma vez, nos leva a duas possibilidades: a) a equipe não acertou em nada ou b) possessão demoníaca.
Tudo isso já nos leva a perceber que a direção foi, na verdade, uma “desdireção”. Michael Goi parece não saber em nenhum momento o que está fazendo do próprio filme. Os planos oscilam entre o óbvio e o sem fundamento. Todas as escolhas que pesam e deixam à mostra a assinatura do diretor são erradas e a coisa piora muito quando se amplia a visão delas através de uma edição completamente sem ritmo. Juro, leitor MetaFictions, a edição parece, junto com o espectador, implorar para que o filme acabe. É um caso claro de possessão demoníaca.
Por outro lado, o elenco… Tô brincando, não tem outro lado. O elenco está no mesmo patamar de tudo nesta canoa furada. Há que se defender os atores lembrando que restava a eles muito pouco a fazer com o roteiro e a direção dados e há que se defender Emily Mortimer por tentar fazer algo, ainda que falhando miseravelmente. É o demo, com certeza.
Mas, a seu favor, o filme pode dizer que um grande susto ele conseguiu dar. Gary Oldman apresenta nele a pior (e eu nunca pensei que este adjetivo e Gary Oldman dividiriam algum dia a mesma frase) atuação de toda a sua carreira. Se ele não tivesse feito de forma mais que sublime “O Destino de uma Nação” era caso até de pedir recontagem dos votos do Oscar dele. Leitor MetaFictions, aqui ele nem tenta. É pavoroso de ver, em nenhum momento seu David soa rasamente crível. É um naufrágio dos grandes. Quando se descobre que o papel era inicialmente para Nicolas Cage fazer, só nos resta uma pergunta: por que, Gary, por que você fez isso? O que nos leva a três teorias:
1. Fez de propósito. Ele quis mostrar como é uma atuação péssima para que a gente valorize mais todas as grandes atuações de sua carreira;
2. Fominha de prêmios. Depois de ganhar Oscar, Globo de Ouro, Sag Awards e Critic’s Choice, Gary deseja ardentemente ganhar dessa vez um Framboesa de Ouro;
3. Possessão demoníaca.
Janeiro nem acabou e A Possessão de Mary já se apresenta como uma das piores coisas de 2020. No entanto, duas qualidades pesam a seu favor: a) as risadas (involuntárias) que causa em poucos momentos e b) o alerta que ele lança ao mundo: o demônio é atrevido e anda possuindo as pessoas por aí.
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