Garimpo Especial 2019
Todo ano é a mesma coisa. Chega o Natal e há sempre uma tia mais chata que vem perturbar a paciência de nós, amantes do audiovisual, pedindo indicarmos alguma série ou filme. Eu, por ser fundador, sócio e editor-chefe aqui dessa bagaça, sofro um pouquinho mais do que o normal, uma vez que não é só uma tia, mas a família inteira e, pra piorar, é uma família desnaturada que ignora que o site do priminho/sobrinho tem uma caralha dum quadro semanal em que exatamente isso que eles pedem é feito. Confesso que criei o Garimpo justamente pra não ser mais tão azucrinado por todo mundo, mas de nada adiantou.
Enfim, feita esta introdução irrelevante sobre a minha ainda mais irrelevante vida, eu me debrucei sobre absolutamente todas as nossas publicações do ano e elegi, de forma totalmente arbitrária, as 13 obras que eu julgo que mereciam ter tido muito mais repercussão do que tiveram. Deixei de fora, contudo, aquelas que estiveram na nossa publicação das Obras Mais Bem Avaliadas de 2019, reservada às produções que receberam a nossa nota máxima no ano de 2019.
Divirtam-se e não deixem de compartilhar com a família toda!
– Assunto de Família (Manbiki Kazoku), dirigido Hirokazu Koreeda, lançado em 10 de janeiro e disponível atualmente na Netflix
“Por mais que os questionamentos que a obra propõe possam ser vistos num ‘Casos de Família’, a construção de seus personagens e suas situações nos colocam num espaço onde essa reflexão está longe de ser corriqueira. Ao invocar a simplicidade extrema, Koreeda nos leva a pensar até que ponto a intimidade obriga a própria naturalização e até que ponto esse perdão ‘meio que sem querer’ não é legítimo em nome de uma felicidade momentânea.”
Por Thotti Cardoso em crítica publicada em 14 de janeiro
– Velvet Buzzsaw, dirigido por Dan Gilroy, original Netflix disponibilizado em 1º de fevereiro
“Do cinismo daqueles que consomem Arte – talvez em um atitude vã de parecer inteligente – à lógica mercadológica imposta pelo mundo de hoje, Velvet Buzzsaw escancara sua crítica sincera apontando dedos, identificando agentes e tentando acordar artistas, dando um forte tapa na cara na medida em que relembra que Arte é a expressão pessoal e não algo feito deliberadamente para a adoração de outrem, para enriquecimento de terceiros ou ainda para lisonjas de estranhos que se assumem maiores que o próprio ato criativo e sacrificante comum a todo e qualquer autor.”
Por Rene Michel Vettori em crítica publicada em 2 de fevereiro
– F1: Dirigir para Viver (Formula 1: Drive to Survive), minissérie em 10 episódios, original Netflix disponibilizado em 7 de março
“Cada episódio é conduzido por uma dualidade. Começamos com a perspectiva entre uma equipe grande e consagrada e outra pequena e sem muitas pretensões, e seguimos dentro do esperado (e sabido) para a categoria. Temos os dramas nacionais, com os pilotos de mesma nacionalidade disputando atenção em GPs em casa, como Alonso e Sainz; a saga da Red Bull com a disputa interna entre seus pilotos e que sempre foi marcante na última década, especialmente pela participação de Christian Horner nos bastidores; a luta da Haas, Sauber e da Force India para permanecer na categoria e conseguir pontos, protagonizando as melhores rivalidades caseiras, como a de Sergio Pérez e Esteban Ocon num duelo que foi além do ético; os dramas de equipes como a Williams e McLaren que dominavam os anos 80 e 90 e que agora disputam para ver quem não vai largar na última fila; dramas pessoais, como o de Romain Grosjean lutando contra ele mesmo; e a eterna dança das cadeiras, com pilotos se aposentando, pilotos novos chegando e outros ficando sem equipe.”
Por Ryan Fields em crítica publicada em 7 de março
– Megalo Box, 1a temporada, dirigido por You Moriyama, original Netflix disponibilizado em 8 de março
“Embora seus primeiros 6 episódios sejam um pouco arrastados e a subtrama da máfia indo atrás da equipe de Joe não ganhe a proporção devida até seus momentos finais, pouco tenho a falar de negativo sobre a obra, que se sobressai tecnicamente, vide suas 8 indicações no Anime Awards. Contando com uma proposta artística oitentista muito bem concebida e uma dublagem nacional que deixa a desejar, mas dá pro gasto, Megalo Box é uma opção de entrada para os iniciantes em animes, de deleite para os otakus de plantão e para fãs de boxe/lutas no geral.”
Por Ryan Fields em crítica publicada em 8 de março
– Estrada Sem Lei (The Highwaymen), dirigido por John Lee Hancock, original Netflix disponibilizado em 29 de março
“Estrada Sem Lei é um excelente estudo de dois personagens que são coadjuvantes dentro da lenda de Bonnie e Clyde, mas cuja história de vida é ainda mais interessante que a dos bandidos. O longa faz tanta questão de dar protagonismo a eles e a seus conflitos que, em uma decisão acertada e arriscada, praticamente nunca mostra o rosto de Bonnie e Clyde. Para esta história contada pelo roteiro firme de John Fusco e conduzida pela direção de John Lee Hancock, eles são irrelevantes e certamente não há a glamourização de seus odiosos feitos como em outros títulos. Importam os conflitos e a dor de Maney e Hamer, irmãos em armas que enxergam sua profissão de forma diferente, mas que a aceitam como ela é e recebem seu pesadíssimo fardo sem pestanejar.”
Por Gustavo David em crítica publicada em 30 de março
– A Gente se Vê Ontem (See You Yesterday), dirigido por Stefon Bristol, original Netflix disponibilizado em 16 de maio
“O final, mais ou menos como ocorreu num grande hit da Netflix do passado “Vende-se Esta Casa“, vai incomodar muita gente, apesar de funcionar perfeitamente dentro da dinâmica narrativa que o filme nos apresenta. Mas, escusadas algumas licenças que o roteiro tira para forçar determinadas situações relacionadas à lógica da viagem no tempo (e eu já disse aqui várias vezes o quanto eu odeio esse artifício), é uma obra que cumpre com muito louvor aquilo a que se propõe e ainda apresenta ao mundo dois atores dos quais acredito que veremos muita coisa no futuro.”
Por Gustavo David em crítica publicada em 17 de maio
– É o Bruno! (It’s Bruno), 1a temporada, criado por Slick Naim, original Netflix disponibilizado em 16 de maio
“Conseguindo ser sutil e escrachada ao mesmo tempo, o roteiro é bacana, tem piadas geniais e uma dose legal de baixaria. Também aborda questões consideradas tabus na sociedade, como a gentrificação e diferenças socioeconômicas. Além de criar a série e dar vida a um personagem de carisma único (e ser realmente o dono desse cão fofíssimo), Naim também produziu, roteirizou e dirigiu todos os 8 episódios da temporada. Seu esforço e dedicação apresentaram efeito, afinal, a qualidade é surpreendente e dá ao público o que promete e mais.”
Por Valentina Schmidt em crítica publicada em 19 de maio
– Brightburn – Filho das Trevas (Brightburn), dirigido por David Yarovesky, lançado em 24 de maio
“Fazia tempo que eu não entrava no cinema com expectativa altas e saía satisfeito, talvez até eufórico, querendo conversar com alguém sobre toda essa insubordinação com algo estabelecido. Apresentando um final que subverte cenas clássicas de filmes de heróis, ficamos com as portas abertas para novas entradas nessa franquia que, ao que parece, inaugura um novo universo. Aguardo ansiosamente pelo desenrolar de sua história.”
Por Ryan Fields em crítica publicada em 26 de maio
– Graças a Deus (Grâce à Dieu), dirigido por François Ozon, lançado em 20 de junho
“Graças a Deus é uma obra dos nossos tempos. Dói, corta e faz pensar. Revolta, também. Acima de tudo, mostra o quanto o abuso sexual de crianças tece uma teia de sofrimento que enlaça a sociedade inteira: começa no indivíduo, arrasta a família, engendra a comunidade e mancha a Humanidade em seu todo.”
Por Ryan Fields em crítica publicada em 22 de junho
– O Filho Protegido (El Hijo), dirigido por Sebastian Schindel, original Netflix disponibilizado em 25 de julho
“Bem medido tanto em seu thriller quanto no drama e naquele toque mais tenebroso do aludido “O Bebê de Rosemary” (sem enveredar pelo lado sobrenatural da coisa), o filme consegue envolver com firmeza seu espectador. O ritmo da narrativa é bem marcado, mastigando-nos a cada cena, como o Saturno de Goya a triturar seu filho. E tal qual um quadro a ser contemplado e interpretado a partir de seus elementos, assim conclui o filme: mais sugestões do que respostas concretas, ficamos com as nossas impressões, deduções e certezas próprias. Não há necessidade para maiores explicações, a natureza humana já nos dá suas verdades.”
Por Rene Michel Vettori em crítica publicada em 26 de julho
– O Espião (The Spy), minissérie criada por Gideon Raff, original Netflix disponibilizado em 8 de setembro
“Apesar de ter apenas seis episódios, a série apresenta uma trama densa que, de um lado, conta em detalhes a complexidade do conflito entre Síria e Israel e do outro, leva humanidade a um personagem cujo rótulo de perverso poderia facilmente ter sido dado, afinal o sucesso profissional de Kamel dependia de uma coleção de mentiras. A narrativa explora a forte crise de identidade gerada em Eli, que dentro de uma sociedade absolutamente machista, ora é um bon vivant desejado pelas mulheres e respeitado por todos, e ora vive uma vida humilde, na qual precisa que sua mulher trabalhe a fim de conseguir pagar as contas e é pai de duas garotinhas que mal conhece. Esse conflito interno atrelado à falta de suporte psicológico oferecido ao agente da Mossad, faz com que tal vida dupla desencadeie em sua omissão na função de pai e abandono do casamento.”
Por Luciana Danfer em crítica publicada em 10 de setembro
– Filhas do Sol (Les filles du soleil), dirigido por Eva Husson, lançado em 26 de setembro
“O arquétipo das mulheres guerreiras – “Mulheres que correm com os lobos” – não deixava de me assaltar enquanto assistia ao filme. Porque Filhas do Sol é, antes de mais nada, sobre o que é mais urgente no instinto humano: a sobrevivência. Ser capaz de superar todos os momentos sombrios e o desespero em prol da esperança de sobreviver ao futuro. Por tudo isso, recomendo Filhas do Sol a qualquer espectador interessado na temática mas faço um parênteses aqui para as mulheres, pra quem essa película se torna especialmente obrigatória.”
Por Jessicka Silva em crítica publicada em 26 de setembro
– Cade Você, Bernardette? (Where’d You Go, Bernardette?), dirigido por Richard Linklater, lançado em 9 de novembro
“Cadê Você, Bernadette? é bonito. Ele toca num pedaço de nós que, ao mesmo tempo em que quer sumir do mundo, quer se unir a ele. É um filme sobre afetos. Talvez seja essa a sua maior arquitetura: a arquitetura dos afetos. É uma porta, pois, como definiu o grande João Cabral de Melo Neto, o arquiteto é aquele que abre portas para o homem. Mas não qualquer porta. São ‘portas por-onde, jamais portas-contra; por onde, livres: ar luz razão certa’.”
Por Marco Medeiros em crítica publicada em 26 de setembro
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