Crítica: Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fabulosa (Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn)
No cinema contemporâneo, é cada vez mais comum serem abordados temas considerados tabus na nossa sociedade, de forma explícita ou sutil. Vemos que filmes de super-heróis estão aderindo à tal tendência, sendo “Coringa” talvez o exemplo mais notável de 2019. Este ano, entraremos num debate sobre misoginia e feminismo ao assistirmos o surpreendentemente bom Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa.
O grupo Aves de Rapina é inspirado nas personagens de Chuck Dixon, Gary Frank e nas HQs de Gail Simone – sendo que a Arlequina mesmo foi criada por Paul Dini e Bruce Timm para a série animada do Batman e só depois ganhou os gibis -, mas quem rouba o show aqui é a Arlequina (Margot Robbie). Ela está recém-separada do Coringa e quer deixar isso claro para o mundo, mas quando algo muito valioso ganha a atenção de Roman Sionis (Ewan McGregor), o homem mais egocêntrico de Gotham, a anti-heroína terá de se unir a quatro mulheres igualmente incríveis para derrotá-lo. Adicione nessa mistura a dose certa de ação, humor e construção de personagem e temos uma surpresa mais que agradável e capaz de fazer o público pensar: “Uau! ‘Esquadrão Suicida’ nem precisava existir para termos este filme”.

Vamos voltar para 2016, quando a tragédia anteriormente mencionada chegou às telonas. O trailer sensacional escondia a falta de qualidade encapsulada em 2 horas e 3 minutos de duração que nem seu elenco de peso conseguiu salvar. Aproveitando que estamos no final de semana de Oscar, gostaria de lembrar que só porque tal produção leva uma estatueta não significa que ela é boa, como é o caso do terror cujo único aspecto que poderia ser considerado “salvação” é a Arlequina, porém, apesar do sucesso instantâneo, também é uma vítima devido ao uniforme extremamente objetificado. Por sorte, Aves de Rapina teve uma lista de verdadeiras salvações que a impediu de ser imortalizada por um longa mequetrefe e visual sexista e, no topo dessa lista, está sua fantabulosa intérprete.

Além de dar um show como a personagem titular, a deslumbrante Margot Robbie também foi produtora executiva e cuidou de várias partes do processo criativo, como escolha de trilha sonora e revisão de roteiro e figurino, ambos destaques. Robbie é apenas uma das muitas mulheres em posições de poder por trás das câmeras (#vidalongaaomatriarcado) e está muito bem acompanhada por Cathy Yan e Christina Hobson. Ao juntarem a direção afiada de Yan com o roteiro sem filtros de Hobson, somos presenteados com um crossover entre o humor cartunesco e desinibido de Deadpool e a porradaria verbal de um filme do Tarantino.
E o que falar desse elenco? As escalações podem não ser as mais óbvias, mas ao meu ver, cada ator foi a escolha perfeita para seu personagem, em especial as tais Aves de Rapina. Margot Robbie dispensa apresentações, arrasando ao entregar uma Arlequina mais vulnerável e determinada, além de uma narradora hilária. Na pele de Dinah Lance, vulgo Canário Negro, Jurnee Smollett-Bell é uma mulher em conflito com seu emprego e princípios, assim como Rosie Perez dando vida à Detetive Renée Montoya. Apesar de uma participação menor comparada com suas parceiras, Mary Elizabeth Winstead (a eterna Dor Mortal de “Super-Escola de Heróis”) interpreta Caçadora, cuja identidade verdadeira é um spoiler, de maneira fiel à personagem original e à torna mais cômica mesmo emitindo poucas palavras. Enquanto esta é fiel, a novata Ella Jay Basco dá vida à uma Cassandra Cain totalmente repaginada, tornando-se mais confiante à medida que o tempo passa e mantendo sua maliciosidade. Por fim, nunca pensei que sentiria tanto ódio do Ewan McGregor, mas queria espancá-lo cada vez que aparecia. Roman Sionis, o Máscara Negra, é a personificação da misoginia e representa o clássico macho tóxico. Um vilão completamente desprezível e mais um bom trabalho de McGregor. Você também vai querer matá-lo.

Uma prova de sororidade e emancipações para todas. Se prestar atenção tanto no título como no filme, entenderá meu comentário. Prepare-se para presenciar muitos crescimentos pessoais em meio a porradaria, loucura, poder e risadas nessa aventura que abrirá seus olhos e te divertirá.
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