Oscar 2020 - Pitaco MetaFictions

Amanhã é a grande celebração anual do Cinema mundial. Grande pelo glamour, mundial pela tentativa de englobar obras de todos os lugares do mundo. No duro, no duro, sabemos ser a maior homenagem americana para os filmes deles. Uma festa deles para eles e por eles. Sabedores disso, vemos, ano após ano, algumas decisões um tanto quanto “curiosas” em relação aos vencedores. Sabemos, ainda, que, pela visibilidade que a premiação tem, muitas vezes a Academia precisa ceder às pressões políticas e sociais impostas pelas necessidades do mundo naquele momento. E assim segue o Oscar.

Mas para nós aqui no MetaFictions, o que vale mesmo é o Cinema pelo Cinema. É o que justifica o gasto de nosso tempo e de nosso dinheiro para não receber nada além de algumas falas bem-vindas e engraçadas de nossos leais leitores em troca. O que fazemos aqui fazemos tão somente pelo amor que temos por esta forma de Arte. Logo, no auge de nosso egocentrismo, entramos em um devaneio coletivo compartilhado por um grupo de 10 pessoas, no qual nos imaginamos como a Academia votante do Oscar. Sendo assim, tradicionalmente (e tenho usado bastante essa palavra aqui) fazemos dois tipos de votação nisso que chamamos de “Pitaco MetaFictions”: um bolão, no qual tentamos antever a decisão de Hollywood; e a realização do nosso ego, o chamado “Oscar MetaFictions”.

Neste, todos nós, os colaboradores de sempre, realizamos os votos nas principais categorias da premiação e contemplamos aqueles que, se dependesse de nós, seriam os merecedores de voltar para casa com a estatueta dourada (ou o “homenzinho dourado”, como chama jocosa ou carinhosamente nosso grande Marco Medeiros, o Xenofonte do século XXI em seu já tradicional artigo Precisamos Falar do Homenzinho Dourado).

Por vezes, o Oscar MetaFictions é uma forma de, em nosso foro íntimo coletivo, se fazer justiça naquelas ocasiões bem “tapetão” da Academia. O curioso nessa vez, no entanto, é que, ao que tudo indica, nossas escolhas flertam muito intimamente com o que deveremos contemplar amanhã. Não porque só há um bom entre os indicados, mas porque, diferente do ano passado, há alguns destaques muito firmes entre uma lista extremamente agradável de possibilidades. Uma premiação que trouxe grandes e inesquecíveis obras para o seu hall e que irão duelar no coração de cada um dos votantes de Hollywood, assim como duelaram firmemente em nossos corações apaixonados.

And the Oscar goes to…

Melhor Montagem – Ford vs Ferrari, por Andrew Buckland, Michael McCusker e Dirk Westervelt. Texto por Ryan Fields.

Edição é uma arte um tanto subestimada dentro dos prêmios técnicos. Quando bem feita, ela pode nos ludibriar de tal forma que nos deixamos enganar ao ponto de achar que uma narrativa é linear, quando ela não é. Ela joga com nosso desejo de enxergar o que queremos e, em alguns casos, elas intensificam experiências de cenas que já são de grande intensidade, como é o caso em Ford vs Ferrari. O automobilismo é um esporte que joga com a velocidade e momentos de grande perigo e a montagem do longa contou com um esmero técnico tão azeitado que cada corte, alternando cenas de dentro e fora do carro, cenas do boxes e de intrigas políticas durante as corridas que manteve esse longa de 2h30min bem firme e tão rápido quanto os carros do título em questão.


Melhor Cinematografia – 1917, por Roger Deakins. Texto de Vlamir Marques.

Vivemos uma época em que o cinema alcança uma precisão técnica e tecnológica jamais vista e poucos filmes parecem entender as características dessa nova mídia e utilizá-las com a elegância encontrada em 1917. Tendo sido concebido para dar a impressão de se tratar de um longo plano-sequência, teria sido virtualmente impossível realizar o filme com a tecnologia tradicional analógica. Uma película simplesmente não seria capaz de responder às gigantescas variações de luz e sombra apresentadas no longa e é justamente este elemento que mais impressiona na cinematografia que Roger Deakins executou para o filme. Com uma câmera apenas e com pouquíssimos cortes visíveis, acompanhamos a jornada dos cabos Blake e Schofield por campos verdejantes sob céu azul, por casamatas escuras e poeirentas, pelas desumanas trincheiras habitadas por corpos dilacerados, enfrentando explosões, desabamentos, quedas d’água, perseguições nas quais a simples movimentação da câmera ao redor de um personagem, ou a escolha de o que mostrar e o que ocultar consegue criar momentos ao mesmo tempo angustiantes e belíssimos. O ponto alto do filme, para mim – fotógrafo que sou – é uma assustadora e surrealista noite onde a luz de sinalizadores projeta as sombras dançantes das ruínas de uma cidade-fantasma sobre o terreno desolado enquanto o fogo consome o horizonte. Certamente uma das 5 cenas mais lindamente fotografadas que já tive o prazer de assistir, e no que me diz respeito, o filme já mereceria o Oscar por essa sequência apenas.

Melhor Roteiro Adaptado – JoJo Rabbit, adaptado por Taika Waititi de romance de Christine Leunens. Texto por Leilane Vettori. 

O pesado assunto considerado como o maior trauma do século XX ganha contornos mais suaves ao contar a história de uma criança alemã contaminada pela ideologia nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Um tema tão forte como este teria no drama puro o seu principal gênero, no entanto o roteirista e diretor Taika Waititi traz tons cômicos e sensíveis em uma sátira à ideologia germânica, abordando de maneira leve as relações familiares, de amizade e a primeira experiência amorosa de um garoto. O trabalho refinado de Waititi produz uma história crítica, emotiva e com leves camadas de humor sobre a reconstrução de um indivíduo antes infectado por um pensamento destrutivo.


Melhor Roteiro Original – Parasita, roteiro de Boong Joon-Ho e Jim Won Han. Texto por Rodrigo Cirne.

O roteiro de Parasita é um primor sob todos os ângulos. Ali estão contidos os conflitos mais instigantes que o filme expõe e há, a todo momento, um subtexto maravilhoso, que expõe a violência de classe que o filme denuncia, além de imprimir um senso de humor sutil e inteligente à saga das duas famílias parasitárias entre si. Aliado à direção primorosa de Bong Joon-Ho (que também assina o roteiro), este roteiro original é para nós o melhor de seu gênero neste ano que passou e merece todas as homenagens de quem ama o cinema.


Melhor Atriz Coadjuvante – Laura Dern em História de um Casamento. Texto por Larissa Moreno.

Não bastasse o grande trabalho de Laura Dern em Big Little Lies, entre 2017 e 2019, ela nos enlaça mais uma vez com a brilhante atuação em História de um Casamento como Nora Fanshaw. Inspirada pela advogada de divórcio de famosos, Laura Wasser, que tem em seu currículo nomes como Angelina Jolie e Brad Pitt, a personagem de Dern é uma mulher de pulso firme e se mostra um divisor de águas para a história, na medida que traz mais confiança e estabilidade (inclusive emocional) pra vida de Nicole (Scarlett Johansson). Seu clímax no longa acontece, indiscutivelmente, na cena em que conhece Nicole e é presenteada pelo roteiro com falas empoderadoras que questionam a maternidade e o papel da mulher enquanto esposa com a vinda dela. Apesar de ter pouco tempo de cena no filme como um todo, Laura Dern deixa marcas por onde passa com uma performance elegante, como de costume, poderosa e marcante.


Melhor Ator Coadjuvante – Brad Pitt em Era Uma Vez Em…Hollywood. Texto por Gabriel Eskenazi.

Era Uma Vez em… Hollywood tem um comentário belíssimo sobre amizade, lealdade e companheirismo. São duas figuras unidas pela natureza do trabalho, o ator e seu dublê. Para acreditar na forte amizade entre o ator Rick Dalton e o dublê Cliff Booth, seria preciso de uma atuação estupenda que usasse o roteiro magnífico de Tarantino como uma ferramenta para compor o personagem que Brad Pitt interpreta. E, se o cara não foi uma das melhores performances do ano, eu não sei mais o que eu sou como pessoa. Para mostrar a tamanha associação diretor-ator, deixe-me compartilhar uma história da boca do próprio Tarantino que queria mostrar um determinado filme para Brad Pitt, pois nesse filme havia um personagem que seria uma excelente referência. O diretor convida Brad para sua casa para mostrar o filme e eis que o ator traz uma cópia do mesmo filme, com as mesmas intenções. Essa história me mostra que Brad Pitt é um ator tão competente que entendeu exatamente seu papel no roteiro de Tarantino. Existe sensação mais satisfatória do que ver Brad Pitt atuando com Leonardo DiCaprio em uma dinâmica tão real de companheirismo, lealdade e amizade? Para mim, ele merece esse Oscar de ator coadjuvante porque nem sempre uma boa atuação significa gritos e choros, às vezes as melhores atuações estão em um dos aspectos mais humanos: a amizade. E cá entre nós, já estava na hora de ele ganhar um prêmio, não é?

Melhor Atriz – Renée Zellweger por Judy – Além do Arco-Íris, por Valentina Schmidt.

Nas últimas edições do Oscar, cinebiografias tiveram uma presença confirmada e este ano não é diferente. Indicado a 2 Oscars, incluindo Melhor Atriz, Judy – Muito Além do Arco-Íris retrata os últimos meses da vida da atriz e cantora Judy Garland (Renée Zellweger) em Londres, onde fará uma série de concertos. Apesar de ser um filme mediano como um todo, a atuação de Renée Zellweger é de outro mundo. Considerando a aclamação de sua performance e a quantidade de prêmios que vem ganhando, é quase certo que a vencedora do Oscar sairá da cerimônia com uma segunda estatueta.


Melhor Ator – Joaquin Phoenix, por Coringa. Texto por Gabriel Eskenazi.

Todos nós já sabemos que Joaquin Phoenix é um ótimo ator, não estou aqui para martelar o óbvio, ou talvez esteja. O trabalho de Joaquin em “Coringa” não é uma “boa performance”, nem uma “ótima atuação”, é algo além. Algo que só alguém com o talento de Phoenix poderia conseguir: entrar na cabeça de um louco. A figura do Coringa não é desconhecida para grandes atores, Jack Nicholson e Heath Ledger por exemplo. Contudo, cada um interpretou o personagem de forma diferente, dando sua própria pitada de carinho ao papel. No caso de Joaquin, não foi diferente. O ator, munido do roteiro e direção, subverte o nosso conceito da clássica risada do vilão, tornando-a algo doído e involuntário. Ele não consegue sorrir, ele precisa forçar um sorriso que dói tanto, que uma lágrima cai de seu olho esquerdo e Joaquin entendeu o que os pequenos momentos trazem para o personagem: a força da performance. Ao longo do filme, vemos cada vez mais essa descida na loucura e na maldade. Os olhos de Joaquin, a maneira que ele entrega suas falas, a linguagem corporal, tudo foi feito com maestria, a ponto de me fazer sentir algo terrível quando saí do filme pela primeira vez. Por favor, entenda, é um estudo de personagem, se o trabalho do ator não funcionasse, o filme desabaria. O trabalho de Joaquin é tão bem feito que, quando ele coloca, deslizando sem dificuldades, os dedos na boca formando – e não forçando – um sorriso, eu derreti na cadeira, não porque eu torcia por ele, mas sim, porque eu vi o nascimento de um monstro. O nascimento do Coringa.

Melhor Animação – Toy Story 4. Texto por Valentina Schmidt.

Nove anos atrás, a Academia dos machos hétero-top deu o prêmio de Melhor Animação para o que parecia ser o último capítulo da saga dos brinquedos do Andy. Este ano, um dos principais indicados na categoria é Toy Story 4, que parte exatamente de onde seu antecessor termina e coloca novos obstáculos para essa família querida. A estética linda mostra o quanto que a Pixar evoluiu desde suas origens, a dublagem impecável e o roteiro tocante invocam aquela nostalgia que atinge o fundo dos nossos corações e estou na torcida para que saia vitorioso na corrida mais inesperada da categoria.


Melhor Diretor – Sam Mendes, por 1917. Texto por Marco Medeiros.

Cinema de autor. A expressão é usada quando, numa conjunção mágica de talento, técnica, ousadia e gigantesca personalidade, um diretor consegue criar um filme cujo título será eternamente lembrado e elogiado junto a seu nome. É o que fez com que Scorsese, Copolla, Antonioni, Ozon, Almodóvar e alguns nomes míticos da sétima arte adentrassem o Panteão das Telonas. A partir de agora, outro nome é entronizado: Sam Mendes. Empreendendo uma das maiores realizações de um diretor no cinema contemporâneo, construindo uma obra-prima de perícia inimaginável, Sam Mendes é, sem sombra de dúvidas, o diretor do ano. Seu longa explode nas telas e se transforma em uma experiência cinematográfica sem precedentes. Daqui pra frente, 1917 não será lembrado apenas como um ano. 1917 é o testamento cinematográfico de um dos mais competentes diretores dos nossos tempos

Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro – Parasita. Texto por Rene Vettori.

A Arte em seu estado mais puro consegue envolver violentamente aquele que está de frente para ela. Como um furacão feroz que suga para si o que vê pela frente, deixando apenas fragmentos em seus rastros inesquecíveis. Assim é Parasita, a nova obra-prima de Bong Joon-Ho, que chacoalha a alma de seu espectador, ao conseguir desnudar toda e qualquer relação humana, seja ela política, amorosa ou de amizade, com uma história aparentemente simples de uma família que teoricamente busca emprego. Um fiel e poderoso retrato sobre a ação natural e instintiva de todo e qualquer ser humano: se Hobbes dissera que o homem é o lobo do homem, hoje Bong Joon-Ho percebe que a humanidade não tem mais aquela força de antes e produz uma releitura da máxima do pensador. “O homem é o parasita do homem”.


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