Crítica: Coletivo Terror (Bloodride)
Quando era bem garoto, passava na TV aberta uma série meio tosca, cujo apresentador era um boneco em cenário estilo “trem fantasma” de um parque de diversões. O sujeito, então, apresentava o episódio da noite, sempre regado a muito terror e, em seguida, fazia uma espécie de epílogo acerca da mensagem grotesca daquele conto. A nova série norueguesa de terror da Netflix tem um quê daquela de décadas atrás, no entanto sem esse aspecto bisonho (apesar de bem legal). Em Coletivo Terror, a apresentação da série é parte dela: um motorista sinistro pilota um ônibus cujos passageiros se assemelham mais a almas penadas indo para o fogo eterno do Inferno. Como uma barca pós-moderna, para atravessar o rio eternamente, o automóvel os leva a um destino desconhecido para nós. Cada um de seus seis curtos episódios (em média, de 25 minutos cada) conta a história dos ali presentes.
Temos de tudo um pouco nesses episódios cuja estrutura principal é o terror. Apesar disso, não se enquadram tão somente a um único gênero ou não se mostram como aquele padrão esperado deste: há obras de horror tradicional, aquelas mais voltadas para o suspense e ainda outras que flertam com um humor mais comedido. De todo modo, todas trabalham em cima da natureza grotesca do ser humano, sendo isso o que há de mais aterrorizante em detrimento de sustos, atmosfera de medo ou jump scares para deixar o espectador andando sobre o fio da navalha. Caminhando muito mais pelos efeitos psicológicos das histórias em seus personagens, a série não cai no senso-comum do chamado terror pelo terror.

O primeiro episódio, um dos melhores, é um bom cartão de visitas, ao explorar de uma forma inteligente a ganância humana a partir de uma mitologia viking diretamente relacionada ao local onde se passa a história. Trabalhando com as relações de afeto e os sentimentos mais puros entre família e comunidade, o episódio envolve de cara quem o assiste, fazendo-o investir no restante da série, muito embora nem toda a sequência siga o mesmo padrão de qualidade (o que é comum em toda e qualquer produção seriada como essa). O segundo segue com o envolvimento rápido, com a história de um rapaz saído de um hospício, sendo seduzido pelos seus dois irmãos a uma festa de retorno na casa de campo com uma garota. Um louco oficial e dois outros malucos por natureza vão criando a tensão necessária para nos colocar no lugar da convidada desesperada. Sombrio e bem lapidado, o conto peca por míseros flashbacks explicativos e desnecessários; mas são poucos e não nos fazem perder o interesse.
O terceiro é um jogo inteligente de metaficção, ao mostrar a história de uma jovem garota que sonha ser escritora. Ao se descobrir a personagem de alguém, ela começa a influenciar, a partir de sua escrita, a vida daquele que escreve sobre ela. Nesse quebra-cabeça que se revela um “oroboro”, somos cada vez mais instigados a seguir na jornada para descobrir como o conflito se resolverá. Com tons de humor e a estrutura de um suspense/terror psicológicos, o curta mantém um bom nível da produção como um todo. O quarto talvez seja aquele que produza um efeito de humor maior e menos terror do que os demais: um jantar de funcionários e sócios de uma empresa é a celebração de um feito inédito daquela indústria. No entanto, durante aquela noite, o super-guardado protótipo que colocará a empresa à frente das concorrentes é roubado por um dos convidados. A ganância (mais uma vez presente) faz com que o dono da atividade humilhe e leve seus funcionários ao limite da vida, fazendo das ações de cada um meros movimentos de ataque ao próximo. O clássico momento de Hobbes do homem lobo do homem sendo colocado em uma alegoria bastante interessante.

O quinto episódio é aquela peça mais tradicional do terror: uma escola antiga que guarda um segredo condenável retoma suas atividades e, em meio aos gritos de crianças e corredores longos, uma professora começa a ter um contato paranormal. Almas infantis pedem por socorro, para que aquele segredo seja revelado. Decidida a seguir em frente, essa professora, que por instinto protege as crianças, é colocada de frente para o que de mais assustador possa ter ocorrido ali – ou, talvez, ainda ocorra. Entre um velho com pose de louco e crianças que pedem por ajuda, quem poderia estar, de fato, errado? Por ser a mais comum das histórias, talvez desperte menos interesse do espectador; no entanto, os temas com os quais sutilmente a obra trabalha a faz digna de destaque. E, por conclusão, o sexto capítulo também une um pouco de humor com o grotesco produzido pelo ser humano: uma festa de trabalho é balançada pela lembrança de uma funcionária que por pouco não perdera a vida. O que ocorrera ninguém, além do alto escalão empresarial, sabe. Mas a nova recepcionista e um crush imediato resolvem descobrir o que ocorreu ali, durante o quase nada divertido convescote. Como crianças em um “escape room” mais sério do que se pensa, o julgamento prévio pode ser aquela arma que fere mais a si do que o outro. Trazendo, novamente, tanto humor quanto tensão psicológica, Coletivo Terror consegue manter seu efeito sobre o espectador em todos os episódios que marcam sua primeira temporada.
Ainda sem saber para onde o motorista os levará – apenas presumindo que seja a atual barca do inferno – a boa qualidade dos episódios nos faz pedir por novos contos, em especial porque, como dito acima, o efeito terror aqui se dá única e exclusivamente pela qualidade humana. Até mesmo no episódio que traz a estrutura mais tradicional do terror, o que faz da narrativa o auge do terror é o que de mais humano a história tem a nos mostrar. Uma série que agradará os amantes do gênero e àqueles que já perderam a esperança em relação à Humanidade. No meu caso, as duas coisas.

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