Crítica: De Quem É a Culpa (Guilty)
O movimento #metoo foi um dos cada vez mais frequentes momentos em que uma febre na internet abre espaço para uma discussão relevante – para logo em seguida, é claro, perder o foco ou se esvaziar pela quantidade de gente protegida pelo confortante sigilo que o mundo virtual proporciona. Em meados de 2017 ou 2018, a hashtag surgiu e, a partir de um relato de abuso sexual, outras mulheres partilharam seus próprios traumas a nível mundial, num gesto de empatia que me faz ainda acreditar no mundo. Mas aí veio a tempestade após a calma: gente descredibilizando falas tão difíceis de serem exteriorizadas, ofendendo e espalhando fake news.
Temos hoje casos de celebridades que o público não consegue acreditar que fariam tal monstruosidade. Afinal, são galãs. São pais fantásticos. São artistas talentosíssimos. São pessoas admiráveis. E são homens. Não monstros, homens. Tenhamos em mente que enquanto colocarmos estupradores e abusadores na caixinha dos doentes, bizarros; das exceções sociais, estaremos fadados a anular quase que automaticamente denúncias que exigem tanto da vítima. E é a partir desse assunto importantíssimo que De Quem é a Culpa? traz uma história de estupro na Índia, um dos países que mais violenta mulheres no mundo.
O filme é ambientado em um cenário interessante para quem não está acostumado a assistir produções indianas (vulgo: eu), já que traz personagens de classe média, que, como tal, são influenciadíssimos pelo ocidente. Roupas e até mesmo a língua – o filme é em grande parte falado em inglês – dão o tom de que se trata de um classe privilegiada, o que se confirma pelo colégio em que os personagens estudam: um enorme campus que mais parece uma universidade americana do que uma escola de ensino médio. High school… Indian version.
Por apoiar-se demasiadamente nos estereótipos adolescentes padrões mundiais, o filme perde muito em qualidade. Isso se dá porque fica cansativo assistir personagens caricatos e exagerados, por mais que o assunto que levem todos a estar ali seja importante. Por outro lado, a pegada a la malhação pode conquistar mais público e diluir a reflexão, que é feita de maneira bem bê-a-bá, de forma mais natural no senso comum.
O caso é infelizmente comum: uma menina nova na escola (Tanu), rotulada como “piranha” por não seguir o comportamento esperado pela sociedade, é estuprada em uma festa e ninguém acredita nela. Nesse sentido o filme traz um ponto em comum com tantos lugares no mundo para além da Índia; afinal, no meu ensino médio no Rio de Janeiro esse cenário de julgamento sobre uma mulher e competitividade feminina ainda eram muito presentes. Ao crescer como uma adolescente normal, é muito possível que você tenha sido uma Tanu ou tenha enquadrado alguém como uma Tanu. Tal qual na realidade aconteceria, as próprias colegas de classe tecem julgamento sobre a forma de se vestir e comunicar com os garotos e usam-no para invalidar a denúncia da garota.
O filme traz um elemento muito interessante, que é de deixar o telespectador na dúvida quanto às intenções de narrativa finais do filme. Será que retratará um caso de estupro, ou um caso de fake news? E quanto ao apoio das demais, será que haverá um momento em que cairão em si e rolará uma sororidade? Por fim, apesar de ser uma produção com bastante falhas e deixar a desejar no quesito artístico, ela dá um importante passo em direção à conscientização sobre o tema e reforça a importância da denúncia e mudança cultural que deve ocorrer para que seja devidamente recebida. Como uma das personagens fala, e atinge um belo ponto alto com tais palavras: estamos preparadas para falar, mas vocês estão preparados pra ouvir?
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