Crítica: Nada Ortodoxa (Unorthodox)

Baseada no no best-seller “Unorthodox: The Scandalous Rejection of My Hasidic Roots” (livro de memórias de Deborah Feldman que não foi lançado aqui), Nada Ortodoxa conta a história de Esther Shapiro (Shira Haas) uma judia hassídica que sai de Nova Iorque para Berlim iniciando uma jornada de busca pela independência e liberdade. Antes que eu comece a falar sobre a série, é importante pontuar o contexto histórico de Esty (como é chamada pelos íntimos), pois a sua real motivação é o que nos move durante os quatro episódios. A jovem foi criada pelos avós em Williamsburg, Brooklyn, numa comunidade judaica fundamentada na crença de que o Holocausto foi castigo divino e foi ensinada que os judeus devem viver à parte da sociedade, obedecendo regras religiosas conservadoras. Sendo assim, mulheres têm a função quase que exclusiva de procriar e aumentar as famílias no mundo, a fim de substituir os 6 milhões de mortos por Hitler. Esty acredita que foi abandonada pelos pais até então e, após tal infância e adolescência de repressão, pensa que o matrimônio vai mudar sua vida e trazer consigo felicidade. Porém, ao chegar o grande dia e com ele, a vida a dois, a realidade de seu casamento arranjado e sem amor aos apenas 18 anos vem à tona. Agora, além de viver apenas em prol da felicidade de seu marido, homem que mal conhece, ela também passa a ser constantemente avaliada e questionada pela família dele: se é uma boa esposa, se é capaz de satisfazê-lo ou não.

Apesar de ser um caminho um tanto perturbador não só porque estamos no século XXI, mas também por toda a desvalorização da mulher enquanto ser humano que tem sua identidade única e seus direitos apagados nesta conjuntura, não pretendo aqui, de forma alguma, julgar as escolhas do modo de vida do povo judeu e sua cultura. Eu jamais saberia o que é estar no lugar deles e/ou poderia falar a respeito com propriedade. No entanto, trata-se da história de uma personagem que rejeita suas raízes religiosas por acreditar que cruel mesmo é viver em função das escolhas dos outros e infeliz por não buscar a realização de seus desejos e anseios. Logo, meu parecer não é uma verdade absoluta, é com base no que eu vi e li.

Aos 19, cansada dessa vida na qual não tem voz, ela larga tudo pra trás e foge pra Berlim apenas com a roupa do corpo e alguns euros, encara sua nova nacionalidade e o dilema da adaptação a cultura de um povo que, segundo fora dito a ela a vida inteira, era o principal rival do seu. Lá, Esty vive dias extremamente difíceis, onde absolutamente TUDO é novo e nos faz lembrar um pouco de “O Quarto de Jack” quando o garotinho descobre o mundo lá fora. É claro que a referência se limita a metáfora, uma vez que a protagonista não tem a inocência de uma criança, mas é tão corajosa quanto ele ao enfrentar seus medos e principalmente nos momentos em que é perseguida e tentam convencê-la a volta pra Williamsburg alegando sua suposta incapacidade e despreparo para ser qualquer coisa além de dona de casa. Apesar de se sentir pequena e sozinha, uma força interna a faz ressignificar sua dor buscando na paixão pela música uma razão pra não voltar à bolha do seu passado.

É bem possível que você se emocione, pois a atuação da israelense Shira Haas é impecável. E eis aí um apelo mais que digno em Nada Ortodoxa, a exploração da arte como objeto de transformação de vida, como instrumento que molda o caráter e ajuda no processo de descoberta de identidade e fortalecimento das raízes. Durante esse mergulho na sua nova vida enquanto mulher e artista, a série enfatiza de forma brilhante a relação mãe e filha, também sob o ponto de vista de uma segunda chance, de uma forma muito madura e sem romantizar as dificuldades que virão com as escolhas tomadas a fim de mudar o seu destino.

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