Crítica: Notas de Rebeldia (Uncorked)
O materialismo dialético é uma concepção filosófica antiga vinculada aos pais do socialismo científico, Engels e Marx. Dentre as suas máximas, está a concepção que o fixo (a estrutura material) e o fluxo (mercadorias, pessoas, ideias, informação e capital) moldam as sociedades e a cultura. Ou seja, trocando por menores, o meio molda o indivíduo e as sociedades tanto a nível psicológico quanto social. O importante disso é que para entendermos Notas de Rebeldia precisamos considerar a herança material e cultural que um estabelecimento carrega em uma comunidade. Ou, simplesmente, você pode cagar solenemente para esse papo pseudointelectual e ter um entendimento mundano da obra.
Acompanhamos Elijah (Mamoudou Athie), um rapaz negro na casa dos seus 20 e poucos anos apaixonado por vinhos, mas que sofre pressão de seu pai, Louis (Courtney B. Vance), para entender como funciona o restaurante de barbecue americano que é uma relíquia dentro da comunidade negra em seu bairro e que ele herdará. Contudo, embora pareça clichê, há de se pontuar algumas boas surpresas nesse longa. A maior é a postura serena passivo-agressiva de Louis, que nunca entra em embates diretos com ofensas e chantagens emocionais. Há em seu semblante uma nítida luta interna entre querer que seu filho continue o legado criado por seu pai (avô de Elijah) e que seu filho busque a sua verdadeira paixão. Estamos tão acostumados com pais merdas impondo agressivamente as suas vontades que achamos estranho, ao primeiro contato, sua postura calma e indagadora, nos despertando uma expectativa de ruptura nesse modo de operar que acaba nunca vindo.
Porém, contrastando com o pai, Sylvia (Niecy Nash), é a típica mãe apoiadora e que tem as rédeas do casamento em suas mãos, que, infelizmente, acaba cumprindo um papel já batido e com desfecho esperado assim que ela aparece em sua primeira cena. Seguimos nessa linha com quase todos os personagens – não tão caricatos e previsíveis quanto Sylvia -, como a namorada que apoia e que não apresenta seus dramas e lutas, os amigos que cumprem suas funções de alívio cômico e espertão pau no cu, e o próprio Elijah, que acaba por seguir a cartilha de quem luta por seus sonhos, mas sente a pressão familiar.
A falta de tensão racial entre um mundo branco e elitista dos vinhos – que, aliás é um deleite para quem entende -, e de cobrança de seu pai, mesmo projetando em seu filho suas vontades, deixa o filme um tanto insosso. Ele até aponta para isso bem no seu início com a questão do estabelecimento ser um legado para a comunidade (Marx chora), mas não desenvolve, assim como o “gap” de gerações também não é desenvolvido. Há uma série de coitos interrompidos que roubam um pouco do tesão do longa e é uma pena que seja assim. Existia um potencial de contar um conflito racial através da comida, mas que fica abandonado e serve apenas de pano de fundo.
Curte vinho? Curte boas atuações e sanduíches de porco? Então confira esse longa original Netflix.
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