Crítica: O Poço (El Hoyo)
Nesses tempos em que o coronga é apenas mais uma bolacha do pacote de desgraças cotidianas que nos assola, O Poço, do diretor espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, surge como uma potente caricatura da nossa estrutura de sociedade fadada ao fracasso, ao desmascarar uma faceta que nem todo espelho é capaz de refletir: o lado mais selvagem do ser humano. O grande protagonista do filme, o poço vertical, é utilizado de maneira alegórica nesta distopia social representada em três níveis. Os de cima. Os de baixo. E os que caem.
Conforme a falácia da solidariedade espontânea vai sendo desmitificada, cada variação da plataforma parece potencializar o poder de autodestruição gerado por um sistema dominado pela produção e consumo exacerbado, onde os do topo estão pouco se fudendo para os de baixo, mas quando a roda gira, vale tudo para sobreviver. É a luz vermelha avisando que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
A estrutura do roteiro é convidativa pois coloca o personagem central, Goreng, e o espectador transitando juntos pelos mais distintos níveis, sem maiores explicações sobre os pormenores alheios ao poço. Durante essa montanha russa, é possível traçar diferentes estratégias para que se altere a configuração de um mecanismo entranhado no egoísmo legitimado pela postura dos que estão momentaneamente por cima.
O clássico coração acelerado do terror, a repulsa sintomática do horror e o breguíssimo sangue espirrando do gore de outrora, são elementos trazidos para ratificar a vulnerabilidade de cada personagem, todos exaustos demais para questionar as regras do jogo.
Por conta de uma enxurrada de simbolismos, do clima uníssono de tensão e da evolução da história sem maiores presepadas, “O Poço” vale uma hora e meia. Embora algumas lacunas tenham ficado abertas e o desejo por respostas seja inevitável, você que assistirá ao filme, mais do que ninguém, saberá que comida mastigada é menos gostosa. O desfecho não é entregue de mão beijada. Superemos.
E antes do ponto final, é sempre bom transformar um spoiler em imaginação: se dividirmos o número da besta por duas pessoas, em que andar chegamos?
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