Crítica: O Silêncio da Cidade Branca (El silencio de la ciudad blanca)

“Um policial retorna ao seu trabalho. Um psicopata em série também retorna ao seu trabalho”. Essa é a sinopse presente no imdb do novo thriller policial lançado na Netflix, chamado O Silêncio da Cidade Branca. O tom raso que o resumo do filme pode sugerir não condiz com a realização de Daniel Calparsoro. Optando muito mais pelo jogo de suspense que envolve os protagonistas e não os espectadores, o diretor consegue manter o interesse pela produção em todos os seus três atos, inspirados em uma trilogia best seller espanhola.

De início somos apresentados aos feitos de um psicopata em série, atualmente preso por seus crimes: seguindo intervalos de cinco em cinco anos, na idade de suas vítimas, ele sempre colocava os corpos de um casal lado a lado, com girassóis a esconder os órgãos genitais, quase como uma pintura. A forma dolorosa da execução era obrigar as vítimas a engolir abelhas, que as picavam por dentro, até que lentamente suas vidas fossem levadas. Após um longo hiato, mesmo porque a priori o autor estava preso, novos corpos voltam a ser encontrados. Os policiais Unai (Javier Rey) e sua parceira, sob o olhar da superior Alba (pela linda Belén Rueda), ficam perdidos sem saber se se trata de um copycat ou do mesmo autor, já que o encarcerado nunca deixou de clamar por sua inocência. Assim, o jogo de gato e rato começa.

Peças de um quebra-cabeça insano.

Calparsoro, como dito anteriormente, investe mais no suspense e na dúvida dos protagonistas do que no fato de colocar o espectador no mesmo lugar deles. Quanto mais os detetives se perdem na trama rocambolesca sugerida pela narrativa, mais é revelado a quem assiste a produção. Não querendo que nós façamos o papel de investigadores, somos cada vez mais tragados pela montanha russa de revelações que, cena após cena, nos são apresentadas. Quando, em determinado momento, ensaiamos uma tentativa de estar um passo à frente da narrativa, rapidamente o roteiro coloca na mesa suas cartas, mas sempre guardando uma outra jogada para a próxima rodada. Até que nos faltem apenas detalhes desse quebra-cabeça gigantesco que é desconstruído e reconstruído a cada passada.

Um dos pontos altos da realização é a caracterização de Unai, que guarda seus traumas pessoais, volta e meia impedindo-o de ter um foco maior na investigação. É impossível separar, em sua totalidade, os medos de cada um de seu trabalho diário. Especialmente quando esse medo é nutrido por seu próprio ofício. Da mesma forma, a presença sempre marcante e impossível de errar encarnada por Belén Rueda dá ainda mais força aos personagens. Assim como seu detetive, ela também guarda os dissabores de uma vida que vai muito além de uma carreira na polícia. E o gosto amargo de outrora parece voltar com maior intensidade. As expressões precisas de Belén conseguem passar ao espectador o exato sentimento que aflora da personagem Alba.

Caça e caçadores.

Com uma estética e fotografia que tornam o conto ainda mais lapidado, o filme esbarra em um roteiro que – talvez pelo medo de pecar com suas lacunas – faz questão de apresentar uma peça do quebra-cabeça após a outra, ainda assim confundindo alguns espectadores pelo fato de parecer, de fato, enorme. Querendo dar conta de cada uma das perguntas que surgem ao longo da narrativa, na conclusão todas as dúvidas estão solucionadas. No entanto, saber, de antemão, que a inspiração literária é uma trilogia, resta saber quais caminhos possíveis continuações cinematográficas seguirão: se outros casos com os mesmos personagens ou a revisitação de antigos lugares por nós já explorados. Torcemos, acima de tudo, que se houver novos filmes, que os personagens sejam ainda mais evidenciados em suas questões pessoais e morais.

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