Crítica: Por Lugares Incríveis (All the Bright Places)

Minha primeira década de trabalho ao lado de adolescentes me fez perceber, ao longo dos anos, que a chama outrora incansável da juventude vinha mudando. De um fogo tímido a uma zona congelada. Risos, travessuras, sonhos e a imaginação que antes eram características contundentes dos primeiros anos de alguém agora dão lugar a medos sombrios, lugares escuros e dramas adultos que, por vezes, surgem como monstros imbatíveis a duelar contra a vida iniciante daquele novo ser errante. Ainda que de maneira acanhada, o Cinema tem passado a abraçar alguns desses temas que parecem cada vez mais comuns entre os jovens. Uns títulos erram absolutamente nessas tentativas, mas outros aparecem como boas opções de reflexão sobre este assunto que toma contornos de ordinário. O novo lançamento da Netflix, Por Lugares Incríveis, é um desses bons exemplos.

Theodore Finch (em bom trabalho de Justice Smith) é um garoto-problema, em condicional, que deve frequentar a escola e se consultar com um orientador semanalmente. Apesar de ter que seguir a cartilha de maneira impecável, Finch ignora toda a lógica de reconstrução social exigida pelo sistema e constantemente ironiza o orientador e/ou falta às aulas com afinco. No entanto, ele se vê como a única ajuda possível de Violet Markey (em excelente atuação de Elle Fanning), uma menina deprimida pela perda de sua irmã (também considerada melhor amiga) em um acidente de carro. Ao encontrá-la, por acaso, em pé no parapeito de uma ponte, fixando o rio que passa abaixo, Finch resolve quebrar os muros invisíveis que o separa dos demais e tenta adentrar o mundo destruído de Violet para conseguir extrair algo de bom dali. Acontece que ele próprio é uma encarnação de escombros emocionais e psicológicos, tão abalado e cambaleante como ela.

Como olhar em um espelho.

Visto pelos “colegas” de classe (ou por toda a escola) como uma “aberração” (essas etiquetas que a “saudável” juventude americana gosta de distribuir por aí – como se ainda não tivessem percebido o número de ocasiões por ano em que “amigos” da escola resolvem amanhecer fuzilando geral nos longos e gelados corredores desse construto social deprimente), Finch tenta ignorar ao máximo as provocações e insiste em atravessar a barreira imposta por Violet, tanto para ele quanto para todo mundo (incluindo seus melhores amigos). Ele, portanto, se usa da prerrogativa de um trabalho em dupla, no qual os estudantes têm que falar sobre lugares específicos de Indiana, onde moram. Assim, os dois passam a conviver e juntos vão se descobrindo. Em meio a tanta dor, sorrisos são reencontrados; sentimentos aflorados; leveza (re)conhecida. O improvável encontro de dois jovens consumidos pelos dissabores da vida, já desde tão cedo, os leva a se apoiarem e se redescobrirem.

Aquilo, porém, que parecia um romance teen não se apresenta como tão somente isso. O romance que, inegavelmente, surgiria nesta narrativa é bem segundo plano para a história que se aprofunda sobre esses dois personagens simpáticos, com tanta energia, mas que se vêem em um beco sem saída, no qual a ausência plena de luz os impede de enxergar um palmo à frente para ver um trilha entre tantas possibilidades. Por vezes, conseguimos ajudar os outros, ainda que nos encontremos impossibilitados de ajudar a nós mesmos. E, a partir desta perspectiva, Finch entra em uma lógica inversamente proporcional sobre o que ele proporciona à Violet e sobre o que ele consegue extrair disso para si mesmo. “O amanhã vem / o amanhã se vai / mas a nuvem continua a mesma / perguntando-se porque se sente mal / lágrimas do palhaço”, canta uma canção. E tal qual os versos descritos, Finch não consegue emergir da violenta correnteza que o traga impiedosamente. Muito embora, em meio a essa tempestade, os sorrisos de Violet tentassem iluminar a escuridão interior de cada um deles.

“Tudo parece bem por fora”.

Um drama denso, com toques de romance, é o que se destaca de uma história simples acerca de dois jovens estudantes que passam a se descobrir em uma tentativa inconsciente de autoajuda. Um conto, tão profundo quanto perverso, sobre aqueles que já tiveram sua chama da vida apagada por traumas sinceros, que os impedem de vislumbrar uma saída. Uma voz que tenta gritar os dissabores de pessoas que deveriam ser novas demais para terem experimentado certos tipos de gostos, mas que foram sufocadas por uma enxurrada de situações pouco convidativas.

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