Crítica: Troco em Dobro (Spenser Confidential)
Em 2013, o diretor Peter Berg se juntou a Mark Wahlberg para fazer o bom “O Grande Herói”, um filme de ação/guerra em que Mark Wahlberg interpretava Mark Wahlberg numa floresta afegã. Essa parceria viria a render mais 4 filmes, “Horizonte Profundo” – em que Mark Wahlberg interpretava Mark Wahlberg num plataforma de petróleo -, “O Dia do Atentado” – em que Mark Wahlberg interpretava Mark Wahlberg numa tragédia em Boston -, “22 Milhas” – em que Mark Wahlberg interpretava Mark Wahlberg num país asiático – e agora esse Troco em Dobro, no qual – sim, você acertou – Mark Wahlberg interpreta Mark Wahlberg em Boston, o que é basicamente o casting mais desleixado dessa semana.
E o desleixo não fica só por conta do casting. Wahlberg é, na vida real, um maluco da quebrada em Boston que ficou rico inicialmente como modelo, depois como cantor de um dos maiores clássicos da história da música merda ocidental que faço o favor a todos de colar abaixo, e, finalmente, como ator e produtor de extremo sucesso comercial, tendo inclusive sido indicado a um Oscar pela obra-prima de Scorsese que é “Os Infiltrados” ao interpretar – sim, você acertou novamente – Mark Wahlberg em Boston.
O que quero dizer com isso é que, enquanto que nos demais filmes da dupla Berg-Wahlberg há uma preocupação real com a construção de uma narrativa, dando aos seus personagens alguma nesga que fosse de complexidade, aqui em Troco em Dobro a impressão que fica é que os dois, que também produzem esse longa como já fizeram com boa parte dos demais, tiveram uma sessão de brainstorming e Wahlberg simplesmente disse “Foda-se, vamos fazer um filme aí comigo interpretando a mim mesmo em Boston e vender pra Netflix.” E foi exatamente isso que aconteceu.
Aqui, mais uma vez, ele interpreta um cara gente boa, de moral inabalável e firme senso de justiça, características comuns a praticamente todos os personagens da carreira dele, ainda que nos demais filmes as coisas não sejam tão preto no branco quanto aqui. Na pele do policial de Boston Spenser (daí o título original), ele vai preso por espancar seu capitão ao vê-lo sentando a porrada na esposa. Após 5 anos, Spenser volta às ruas determinado a deixar tudo aquilo no passado e começar uma nova vida como caminhoneiro no Arizona. Mas, é claro, nada é assim tão simples para o herói Spenser, que, do mais absoluto nada e sem nenhuma grande motivação, resolve investigar o assassinato desse capitão de polícia que ele espancara anos antes e de mais um policial. E é isso. Todo o resto do filme qualquer pessoa que já tenha visto um filme policial de ação vai prever como se desenrola imediatamente e é improvável que erre nessa sua previsão.
Não se pode, é claro, condenar um filme de ação (ou de qualquer outro gênero) por não ser original ou por não reinventar a roda, mas aqui a coisa é tão genérica, mas tão genérica que até mesmo eclipsa as coisas boas do filme, e olha que já não tem lá muita coisa boa nele. A principal é o elenco de apoio, responsável por praticamente todos os momentos bons do filme, em especial o sempre excelente Alan Arkin (que parece um pouco fora de lugar aqui, contudo) e a comediante Iliza Shlesinger, que interpreta uma namorada de Spenser de maneira bem intensa e no ponto ideal do personagem. Outro destaque vem também para Bokeem Woodbine, um ator que nunca vi fazer um papel ruim na minha vida mesmo tendo sido escalado em várias bombas ao longo de sua carreira.
Já Mark Wahlberg tá lá fazendo o que se espera dele. Dá uma porrada aqui, tira a camisa acolá, antagoniza quase todo mundo que passa pela sua vida, enfim, é o mesmo Mark Wahlberg de sempre, o que não é necessariamente ruim e até funciona para os personagens que ele vem interpretando, mas que também já tá dando um pouco no saco.
Troco em Dobro prejudicado enormemente por um roteiro preguiçoso e um ritmo que faz um filme de 1h51m parecer maior muito porque roteiro passa tempo demais enchendo linguiça quando poderia estar desenvolvendo personagem e dando a eles motivações críveis para que façam o monte de coisa extremamente absurda que fazem. Para se ter uma ideia, Spenser arruma um parceiro na pele do gigante Winston Duke que, a troco de absolutamente porra nenhuma, resolver arriscar a vida e matar gente de bobeira.
Enfim, trata-se de um filme policial engraçadinho, mas genérico e indolente demais para que eu possa dizer que cumpre o que se propõe, cometendo ainda o acinte de deixar as coisas abertas para uma possível continuação.
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