Crítica: LA Originals

Talvez uma das funções mais interessantes dos documentários, marcada já na etimologia e no radical do termo, seja a capacidade de se tornar um documento mesmo. Mas, graças à magia e aos artifícios do cinema, esses filmes conseguem escapar da frieza dos textos acadêmicos e, mesclando informação e arte, conseguem se transformar em fortes antenas de todo um Zeitgeist, em testemunhos vibrantes de um momento.

Em LA Originals,  o diretor Estevan Oriol passeia por 25 anos de gravações que mostram como ele próprio enquanto fotógrafo e o artista Mr. Cartoon conseguiram criar uma cultura chicana hip-hop típica de Los Angeles e mudaram tanto os rumos do próprio movimento hip-hop quanto a realidade do chamado Skid Row, a área barra-pesada do centro de LA.

Oriol e Cartoon são exemplos do que levou Vinícius de Moraes a definir, em um de seus poemas, a vida como “a arte do encontro”. Mais que a sólida amizade, a parceria dos dois construiu uma identidade artístico-cultural cujas ramificações perduram até hoje. Cartoon, um artista visual que, dos grafites e artes gráficas, tornou-se um dos mais reconhecidos tatuadores do mundo (em depoimento ao filme, Snoop Dog afirma que só Mr. Cartoon pode tatuar a ele e a seus filhos), vai encontrar nos registros das lentes de Oriol a eternização de sua arte. Estevan, por outro lado, vai beber do estilo de Cartoon para levar sua fotografia a novas direções estéticas que marcarão os anos 90 e 2000 e que ainda são sentidas em cada videoclipe produzido por qualquer rapper de qualquer lugar.

Valendo-se da apresentação de depoimentos dos retratados e de pessoas que conviveram com ambos, contando uma tonelada de celebridades fotografadas e tatuadas pela dupla, que vão de Eminem a Justin Timberlake, de Christina Aguilera ao recém-falecido Kobe Bryant, sem a interferência de um narrador e apoiando-se em uma edição bastante ágil, o doc ganha pontos na delimitação precisa que faz daquele momento e do impacto cultural da dupla. É bem interessante, por exemplo, como o visual chicano consolidado por eles gerou até mesmo uma subcultura forte no Japão. É louco ver os japas se latinizando, das roupas aos low riders, ou ouvir Kobe Bryant contar que uma funcionária de um hotel na China reconheceu suas tatuagens como sendo feitas por Mr. Cartoon.

Também é um tiro certo a maneira como a produção aborda o impacto social dos dois na região do Skid Row, mostrando desde depoimentos de moradores do local ás mudanças daquela paisagem em meio ao processo de gentrificação dos nossos dias. Entre crise, declínio e resistência, LA Originals dá conta de função mais “documental” do gênero.

No entanto, dois pontos diminuem o punch da obra. O primeiro deles aponta para o espectador. Se você não for um fã muito fervoroso de hip-hop e/ou cultura chicana, você há de se pegar entediado em vários momentos do longa, principalmente pela profusão de depoimentos o que, por vezes, faz lembrar aquelas pessoas que fazem questão de dizer o tempo todo do quanto elas são bem-relacionadas e conhecem todos os famosos. O segundo ponto é a armadilha de todo documentário biográfico. Sempre se corre o risco de heroicizar demais os retratados e embarcar num tom de fábula edificante. Dirigido por um dos homenageados, não deu pra fugir disso em vários minutos.

Mas, acima de tudo, LA Originals vale como um testamento das vidas e obras de dois artistas muito dos bons.

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