Crítica: Tempo de Caça (Sanyangeui sigan)

Inspirados no tema de sobrevivência, a Netflix lança mais uma obra toda mergulhada neste assunto. Dessa vez, vinda da Coréia do Sul, a produção destaca um futuro próximo, de características distópicas, no qual o país atravessa uma grande crise econômica. O clima levemente futurista em meio a paisagens caóticas de destroços onde antes havia cidades a todo vapor é a atmosfera ideal para um conto simples de três amigos leais que tentam resolver suas vidas a partir de um único roubo, mexendo com quem não devia.

Jun-seok (Lee Jehoon) está saindo da prisão, onde ficou alguns anos para proteger seus dois amigos Jang-ho e Ki-hoon (Jae-hong Ahn e Woo-sik Choi). Os três se juntam prontamente, reatando a amizade que sofrera um hiato durante este período. Sem muitas outras relações pessoais, os amigos percebem que viver a vida honesta que tentaram, enquanto Jun-seok estava encarcerado, não é uma saída. Sem dinheiro, sem emprego (devido à prévia ficha criminal) e a ponto de serem despejados pela falta de pagamento do aluguel, a ideia do novo liberto parece, de fato, sedutora: assaltar uma espécie de cassino ilegal e fugir dali para um lugar quente com água cristalina e viver da pesca e de uma loja local, quem sabe. O sonho dos três passa a ser o objetivo que poderá ser alcançado se tudo for de acordo com o plano.

Perseguições e sobrevivência.

Para haver filme, já sabemos de antemão que as coisas não andarão conforme o planejado. Após a ação quase amadora de três rapazes trêmulos armados até os dentes, os donos do local não deixarão que eles escapem sem que paguem pelo que fizeram. Eis que uma espécie de caçador de homens fica no encalço dos caras, agindo mais para se divertir do que para resgatar o que fora roubado. E assim o título traduzido do filme fica escancarado na narrativa: tempo de caça. Se antes os garotos com poder de fogo eram caçadores, agora estarão no lugar de coelhos assustados quem fogem de seu algoz. A narrativa, portanto, compreende dois blocos de ação: o planejamento e o roubo; e a fuga desesperada pela sobrevivência. Se minhas palavras sugerem mais um filme simplista de gangster-wannabe, com tiro para lá e para cá, devo te lembrar que aqui o negócio vem da Coréia do Sul. E, bicho, coreano sabe fazer filme.

Certamente o thriller de ação é, de fato, recheado de tiros e corre-corre. Mas com toda uma motivação por trás, com uma carga dramática que dá vários tons aos seus personagens. Não é um roubo pelo roubo. É uma tentativa de sobrevivência em meio ao caos distópico descrito na introdução. É uma busca pela consolidação de uma relação pessoal que, nesses tempos, parece impossível de ser renovada ou criada a partir do zero. É uma incessante corrida pela realização de um sonho longe desta destruída Coréia do Sul. Curiosamente, pesquisas atuais colocaram que três em cada quatro jovens/adultos coreanos desejam deixar o país. Não à toa, o diretor Sung-hyun Yoon cria esse futuro próximo, onde os três amigos precisam recorrer a algo criminoso para obter uma forma de liberdade (seriam esses os três em cada quatro de hoje?).

Apenas homens e nada além.

Você que gosta de um filme de ação ou você que gosta de camadas de sensibilidade e significado nas obras que vê, Tempo de Caça deverá te satisfazer. Nem só tiro, nem só discurso. Mais uma vez, o Cinema sul-coreano mostra que é bem possível lapidar uma produção de modo a conter de tudo um pouco, não caindo no vazio recorrente dos outros exemplos do gênero, nem tampouco assumindo uma característica enfadonha de quem quer reproduzir teses acadêmicas em imagens em movimento. Recheada de significados, mais uma vez criamos um futuro distópico para falar da angústia do nosso presente. “Toda história é história do tempo presente” (Marc Bloch).

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