Crítica: Hollywood

O mundo precisava voltar a sonhar depois de um dos maiores horrores que a Humanidade presenciou: a Segunda Guerra Mundial. E, em busca de sonhos (e grana, que ajuda a sonhar melhor ainda), jovens aos montes rumaram para um famoso distrito da cidade de Los Angeles, cujo nome podia ser lido em gigantesco letreiro numa montanha. À época, o tal letreiro exibia HOLLYWOODLAND. Mas seria como Hollywood que o tal distrito seria conhecido. O resto é História.

E é na história de um desses grupos de jovens atores e cineastas que a Netflix acaba de estrear a minissérie Hollywood, assinada por Ryan Murphy, que é uma grife da TV atual, aqui em colaboração com Ian Brennan, repetindo a parceria de “Glee”, “Scream Queens” e “The Politician”. E, como era desejado e esperado, os dois forneceram sete episódios deliciosos de serem assistidos.

Todas as marcas de uma produção de Ryan Murphy estão ali. O visual cheio de estilo (muito estilo! – que às vezes distrai mais do que deveria), os figurinos deslumbrantes (e que figurinos!), o humor ácido de certas sequências e sexo (os protagonistas são muito sexy sempre, o que, confesso, me deu uma deprimida, afinal o visual isolamento social em casa no meio de uma pandemia não é lá a mais erótica das versões de uma pessoa, mas também funcionou como um alento de que quando isso tudo passar a beleza vai voltar pro mundo e também serviu para enviar uma mensagem para o meu personal trainer dizendo “seu dever é me tornar digno de protagonizar uma série do Ryan Murphy”).

O roteiro também manda bem demais. Primeiro, há um uso muito inteligente dos recursos do melodrama que, ora estilizado, ora em suas formas mais “raiz”, fornecem à narrativa uma vivacidade e uma agilidade saborosíssimas.

O segundo ponto de força é a utilização de um recurso que, no cinema, nos deu alguns dos melhores momentos de Tarantino: a reescrita da História como gostaríamos que ela tivesse sido. Ao misturar personagens ficcionais com outros que realmente existiram, como Rock Hudson (Jake Picking), Tallulah Bankhead (Paget Brewster) e George Cukor (Daniel London), Hollywood reinventa a realidade.

Mas ousa ainda mais quando, ao reinventá-la, dá um tapa na cara da verdadeira Hollywood. Muito daquela “história que poderia ter sido” poderia ter virado História real se a elite do cinema tivesse tido mais coragem ou interesse. A minissérie consegue, assim, tocar em pontos espinhosos e nada glamurosos da história do cinema, como prostituição, o imenso racismo e a opressão vivida pela comunidade LGBTQI+ na indústria, jogados à uma vida de esconder seus afetos caso quisessem continuar com bons papéis.

A trinca de acertos fecha ao construir personagens com os quais o espectador cria laços e se importa, seja no campo dos protagonistas, seja nos plots secundários. Murphy e Brennan conseguem encher suas personagens de camadas de significação e, inserir nelas, altíssimas doses de relevância para a sociedade de hoje. Assim, acompanhar um jovem ator que deseja fazer sucesso para provar para si mesmo que é mais que apenas bonito, uma atriz e um roteirista negros tentando se destacar em um mundo de brancos, somados à questão racial, o machismo e a homofobia, ou ver uma mulher de meia-idade buscando uma carreira e saindo da sombra do poderoso marido, fazem o espectador se relacionar e se envolver com aquelas personas em níveis mais profundos.

E é obvio que essa relação com as personagens não seria tão frutífera caso eles tivessem sido entregues a atores inexpressivos. Mas, dentre as muitas qualidades da ”marca” Ryan Murphy, uma das mais destacadas é o talento (e o poder) de criar um elenco dos sonhos. Que grupo, leitor Metafictions! De jovens atores em grande forma como David Corenswet, Laura Harrier e Archie Coleman, passando por “queridinhos do Murphy”, como Darren Criss e Dylan McDermott e fechando em veteranos como Jim Parsons, Mira Sorvino, Queen Latifah e a lenda viva da Broadway Patti LuPone, o elenco é uma orquestra afinadíssima tocando uma sinfonia irretocável.

Madonna uma vez perguntou em uma música como Hollywood podia machucar se parecia tão bom. Recentemente Post Malone cantou que Hollywood está sangrando e nós a chamamos de lar. Talvez a Hollywood de Ryan Murphy nos mostre alguns indícios de como isso tudo começou e de como poderia ter sido diferente.

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