Crítica: Minha História (Becoming)

Michelle é uma mulher admirável. Bem-sucedida, inteligente, humana, articulada. Carismática e poderosa, ela é um modelo para milhares de jovens que, tal como ela, oriundos de minorias e pertencentes a classes menos privilegiadas, sonham em ocupar espaços negados a eles por uma sociedade construída sobre exclusão. Casada com um dos homens mais admirados de nossos tempos, Michelle se tornou a primeira-dama que o mundo todo gostaria de ter. É obvio que eu só posso estar falando de uma única Michelle que se encaixa em todas essas qualidades. E é obvio que esta é Michelle Obama.

Dois anos após deixar a Casa Branca, ela escreveu um livro que, imediatamente, entrou na lista dos mais vendidos no mundo todo. Minha História, de Nadia Hallgren, documentário homônimo à publicação, acompanha a ex-primeira-dama dos Estados Unidos durante a turnê de lançamento de sua biografia. Passando por 34 cidades e enchendo estádios em cada uma delas, Obama seria entrevistada por gente do calibre de Oprah Winfrey e Stephen Colbert enquanto a multidão delirava em vê-la ao vivo. Uau, ela encheu estádios promovendo um livro. Estádios lotados e livros na mesma frase. Isto é poder.

Cinematograficamente falando, o documentário de Hallgreen não ousa muito ou oferece um olhar mais pessoal sobre a retratada. Oscilando entre trechos das entrevistas durante a tour e imagens da multidão nos estádios, com um tratamento muito similar ao usado em documentários de música, e cenas dos bastidores de Obama com seus assessores e familiares, Minha História acaba se ressentindo de uma falta de ousadia na direção que oferecesse ao espectador um retrato que soasse mais novo do que uma propaganda programada.

Nos momentos em que a câmera da diretora relaxa, ela brilha mais como cineasta. Assim, as breves sequências nas quais são mostradas as vidas de algumas admiradoras de Michelle, jovens negras, pobres e latinas, ou quando em uma conversa com senhorinhas da Igreja ou discutindo seu (interessantíssimo, diga-se de passagem) gosto musical, a Sra. Obama é tratada com menos reverência pelo doc, ele brilha mais enquanto obra de cinema. (P.S.: Querida Netflix, você podia roubar a ideia da concorrente Amazon Prime e colocar na tela o nome da música que está tocando na cena ao pausarmos o vídeo. Meu Shazam teve que trabalhar muito nesse doc.)

Mas, é inegável que o brilho da produção está em Michelle Obama. Que mulher, leitor Metafictions! Ouvi-la contar as histórias de infância ou de como a orientadora escolar achou que ela estava sonhando alto demais ao querer entrar para a Universidade de Princeton – o que ela fez, além de concluir seus estudos em Harvard – é simplesmente inspirador. Falando sobre os anos da presidência do marido e das mudanças na vida da família, ela deixa muito claro a total consciência do papel que eles exerciam para o mundo e para um país que, todos os dias, mostra que ainda encara negros em cargos altos como uma exceção muitas vezes indigesta.

Ao falar sobre racismo e de como durante a campanha do marido ela virou alvo de ataques pesados e muita fake news, Michelle não usa meias palavras. Ela sabe o que tiveram que passar até chegar ao topo da montanha. Como ela mesma fala, ela é uma advogada formada pela Universidade de Harvard, foi a 44ª Primeira-Dama dos Estados Unidos e é descendente de escravos.

Aos 56 anos, Michelle mostra, nas páginas e na tela, que tem muita coisa para dizer. Fascinante, ela consegue inclusive fazer com que, em uma das apresentações, Barack (que casalzão da porra, Universo!) entre no palco e diga que, ali, é como Jay-Z entrando no palco de Beyoncé. No fim, entende-se porque as câmeras ficaram tímidas ao encarar Michelle Obama. É presença demais. A dica final é: veja o filme e leia o livro. Em tempos como os nossos, é um alívio para a alma saber que existe esse tipo de Primeira-Dama.

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