Crítica: Presságio (La Corazonada)
Faz um tempinho que o nosso Guguitinho (editor-chefe incansável e “labuteiro” do nosso precioso site) resenhou para vocês uma produção argentina da Netflix. “Desaparecida” (Perdida), segundo ele, trazia uma premissa bem interessante de uma policial que convivia com o trauma de ter a melhor amiga de infância desaparecida e nunca mais encontrada. Apesar de vir de uma família abastada, seu senso de justiça e necessidade interior de continuar em sua busca pela amiga eterna fizeram-na tornar-se uma oficial. No entanto, Guddu (uma das incontáveis alcunhas do nosso versátil editor-chefe) se referiu àquela obra como um – and I quote – “amontoado de clichês de filme noir em seus 103 minutos”. Nesta quinta-feira, nosso streaming mais visualizado lançou Presságio, um prequel desse mesmo “Desaparecida“, no qual acompanhamos o processo de formação da detetive e personagem principal.
Pipa (Luisana Lopilato), nossa protagonista, ainda é uma dessas policiais de viatura, que ficam na rua vigiando algo a mando dos reais investigadores. Tal qual seu antecessor (mas que cronologicamente se apresenta como predecessor) “Desaparecida“, o filme começa com um caso que é resolvido na mesma cena, dando um pontapé inicial para a trama principal que segue. Serve aqui tão somente para nos (re)apresentar Pipa e nos situar no contexto vivido por essa que quer muito mais do que ser uma mera vigilante das ruas. Uma interessante história de perseguição a um psicopata em série com inclinações religiosas. Daria um belo episódio de “Hannibal” (a melhor coisa já produzida na História da Televisão, compreendendo o tempo-espaço definidos e não-definidos e aqueles por se definir, tal qual estabelecemos em nosso Top 10 – Melhores Séries do Século XXI ). No entanto, essa narrativa é abandonada de cara, passando-se para um novo caso, o qual Pipa poderá agir mais ativamente. Em paralelo, porém, Pipa deve investigar o próprio manda-chuva do caso policial, de quem outros colegas suspeitam de ter cometido uma vingança.

Ou seja, três casos em um só. O longa tem três momentos que não necessariamente estão interligados, a não ser pelas pessoas que atravessam esses casos: logicamente os policiais. Não é, então, um filme que tem na investigação de um crime principal o fio condutor da tensão e do thriller. Tampouco é sobre a construção de seus personagens e como eles lidam com esses tantos casos. Na realidade, o filme deveria ser, acima de tudo, o processo de formação de Pipa enquanto investigadora. Apesar de sê-lo também, não o é em sua essência. Por consequência, o filme seria sobre o caso? Poderia. Mas, se há três deles, qual? Tal qual a obra anterior do mesmo diretor, que segundo Gus Sexecutioner (olha o terceiro nome do rapaz aí – parece até esse filme; não se decide o que é) se perde em si mesmo, Alejandro Montiel parece não ter aprendido com seu próprio erro. Presságio não é sobre o psicopata religioso, nem sobre uma ricona encontrada esfaqueada em casa, nem sobre o colega de polícia que supostamente cometera vingança. Tampouco é sobre a formação de Pipa enquanto investigadora. Presságio é tudo isso. E não é nada ao mesmo tempo.
Mas se engana quem pensa que eu achei a obra de um todo odiosa. Não é bem por aí. Os erros estão ali. São claros e impedem o bom desenvolvimento da trama. A narrativa se perde entre tantas coisas sobre as quais deseja falar, não sendo enfática em nenhuma delas. Apesar disso, os casos e a forma como as investigações vão tomando contornos de solução se encaixam certinho. Talvez, certinho até demais. Nenhuma pergunta do espectador fica sem a devida e clara resposta. Vocês aí que se amarram nisso vão se satisfazer. Para os amigos aí, o filme, nesse sentido, é de lamber os beiços. Só continua perdendo pro Spielberg, lógico (que quase entra no filme para explicar a obra). Mas os personagens, dessa vez, têm algo a oferecer; são interessantes em relação ao peso do passado que carregam, dos quais não conseguem e nem querem se desvencilhar. Aliás, essa parte da narrativa seria a que mais poderia se aprofundar, levando diretamente ao fantasma carregado e encarnado por Pipa. Pena que também aí o diretor não investe.

Na realidade, pegando-se o conjunto das duas obras, em especial mesmo esta, a impressão que nos dá é que o projeto inicial era de uma série. Não conseguindo investimento ou apoio para isso, a impressão é que os roteiristas e diretor sintetizaram alguns capítulos em um longa, tentando abraçar todos, mas não trazendo calor a nenhum deles. Quem sabe esses dois longas se tornassem duas temporadas de uma série, o negócio não fluiria bem melhor? Quem sabe? Parece-me que ficaria muito mais interessante. Potencial tem, como fora identificado em seu predecessor (ou sucessor); mas em termos de realização faltou mais punch. Faltou pegada.
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