Crítica: Reality Z - 1a Temporada

Imagine, leitor Metafictions, que o Rio de Janeiro seja atingido por uma terrível epidemia. Imagine que os únicos seres livres de contaminação sejam um grupo de pessoas confinadas numa mansão do reality show mais popular do país, produzido por nossa maior emissora de TV. Oops… não precisa imaginar, né? Isso aconteceu semanas atrás, quando, em rede nacional, Tiago Leifert informou aos participantes do Big Brother Brasil 20 acerca da pandemia de COVID-19 e de como eles estariam mais protegidos do que o resto da população por estarem na vanguarda do isolamento social.

Agora, sim, imagine. Em vez de COVID (ou gripezinha, como galantemente a nomeou o sapientíssimo presidente de nação, a despeito dos milhares de mortos), a tal epidemia seria um apocalipse zumbi. E, no lugar do BBB, os participantes estivem em um reality chamado Olimpo – A Casa dos Deuses, no qual eles vestissem ridículas roupinhas inspiradas na mitologia grega enquanto fossem vigiados 24h por câmeras sedentas pelo já tradicional take de uma bundinha subindo e descendo em uma relação sexual debaixo do edredom.

Seria muito Black Mirror, não?

Na verdade, não seria. É. Porque acaba de estrear na Netflix Reality Z, parceria da gigante do streaming com a premiada produtora Conspiração, a versão brasileira da série britânica Dead Set, criada por Charlie Brooker, a mente por trás de…? Isso aí, Black Mirror. Em dez episódios, dirigidos por Cláudio Torres (que também assina o roteiro com João Costa) e Rodrigo Monte, Reality Z é a mais nova incursão audiovisual brazuca em um gênero pouco explorado por nossos realizadores (data venia ao ícone e saudoso Zé do Caixão).

E, entre mortos e mortos-vivos, nem tudo se salva na série. Mas vamos começar pelos excelentes salvamentos.

A melhor parte da produção é, sem dúvida, a sua maravilhosa qualidade técnica. A Conspiração não conquistou o título de produtora brasileira mais indicada ao Emmy Internacional e dona de enormes sucessos de bilheteria no cinema brincando em serviço. Tecnicamente, Reality Z é muitíssimo bem executada.

Começando pela fotografia perfeita. É simplesmente deslumbrante de ver e a iluminação de cena é tão bonita que, por vezes, me peguei tentando descobrir onde as fontes de luz estavam localizadas no set para criar aquele efeito. Os planos feitos pelas câmeras também são interessantíssimos.  Como dizem os jovens, aulas. E também dá aula a excelente edição que deixou a tia do ritmo (que no caso sou eu) felizona.

É claro que, numa série de zumbis, a caracterização deles é o medo (e muitas vezes pelos motivos não desejados) do espectador. Afinal, é fácil se deixar levar pela tosquice. Pois bem, os zumbis cariocas passaram bem no teste da caracterização. A maquiagem deu certo (é claro que vai ter uma galera discordando na net, mas os poucos comentários negativos que ouvi sobre isso eram carregados de complexo de vira-lata do tipo “ain, só The Walking Dead que fez zumbis direito”).

Também cria um clima diferenciado a opção por uma trilha sonora retrô, numa pegada anos 70, Erasmo Carlos, Caetano Veloso (que versão linda aliás para Muito Romântico), Os Mutantes, Jimi Hendrix, enquanto, na tela, imagens de um Rio de Janeiro em destruição vão surgindo em meio ao banho de sangue. Hipster Cool total. Curti.

Mas Reality Z fica mais morta do que viva em outros aspectos. O primeiro deles é em uma oscilação de tom que a prejudica bastante. Abraçando com força o trash em seus melhores momentos – não há nada mais delicioso do que ver alguém ser despedaçado por zumbis enquanto grita “Me come, sua vagabunda! Minhas entranhas!” ou ver a apresentadora do Olimpo, interpretada por Sabrina Sato (hmm, que Black Mirror metalinguístico), zumbificada comendo as pessoas em outros fica uma sensação de que ela quer se levar mais a sério, o que revela as falhas no roteiro ao se lançar nele um olhar mais sisudo.

O morto-morto da série, porém, fica com o desenvolvimento das personagens. Caricaturais demais, entregues a um elenco que, com algumas exceções, nem sempre segura a onda, elas não geram no espectador um senso de engajamento com suas trajetórias. Dez episódios e tenho que colar na web para lembrar o nome de alguns deles. No geral, parece uma produção de ensemble, na qual os atores parecem encarnar tipos e não complexidades. Incomoda.

Reality Z pode não devorar as suas vísceras, mas vai encher seus olhos. E, nos momentos em que não deseja brincar de “The Walking Dead” mas se deixa simplesmente brincar, ela consegue entregar distração para nós, os zumbis da quarentena

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