Garimpo Netflix #73: Vidas Negras

O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana 3 bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.


Em uma semana de escalada das tensões raciais em todo o mundo, cujo estopim foi o assassinato covarde e filmado de um homem negro por um policial branco nos EUA, trazemos três excelentes obras produzidas naquele país que evidenciam que aquele joelho asqueroso em um pescoço negro não esteve ali por “apenas” 9 minutos. Ele está ali sufocando os corpos negros há mais de 4 séculos. Tanto lá, quanto cá.

Fiquem com estas três dicas de obras altamente relevantes e nos digam o que acham aí nos comentários.


American Son, de 2019, dirigido por Kenny Leon

“A raça é cria do racismo, não o pai.” É desta forma que inicia esse espetacular American Son, do diretor Kenny Leon, que é uma verdadeira viagem íntima ao inferno racial dos EUA.

A maravilhosa Kerry Washington aqui é Kendra, uma profissional de saúde mental que se encontra em uma delegacia de madrugada porque seu filho, Jamal, não voltou para casa. Enquanto isso, o policial branco insiste em perguntas mais voltadas a identificar um criminoso do que uma vítima. A tensão racial aqui é o fio condutor que determinará cada fala, cada ação e o desfecho de todo o drama.

American Son é uma porrada, é um grito, é dilacerante. É também um espelho de todos nós, em certa medida. E fala profundamente a uma sociedade desgraçadamente racista como a americana. E, de tabela, à nossa. Assista!

Leia a crítica completa aqui.

Olhos que Condenam (When They See Us), de 2019, dirigido por Ava DuVernay

A carreira internacional da excelente diretora Ava DuVernay decolou com o excelente “Selma” (indicado no Garimpo Netflix: Vencedores do Oscar), se consolidou com o obrigatório documentário “A 13ª Emenda” (indicado no Garimpo Netflix: Documentários) e chega ao esplendor com este Olhos que Condenam.

Numa noite de primavera em 1989, um grupo de cerca de 30 adolescentes estava no Central Park, Nova Iorque, numa espécie de rolezinho oitentista. Alguns deles causando sérios problemas e pequenos furtos. Na mesma noite, uma mulher branca de 28 anos, Trisha Meili, estava correndo no parque, sendo encontrada horas depois espancada e estuprada. Quatro jovens negros e um hispânico seriam considerados culpados e presos pelo crime, em um processo cheio de falhas e buracos evidentes, sendo comprovado anos depois que eles nunca cometeram o crime.

Olhos Que Condenam nos traz vários elementos para a discussão de raça em um país fundado sobre os lombos de corpos escravizados, e não posso fazer nada além de urgir o leitor a enxergá-los. Mas antecipo que, ao assistir a série, você entenderá muito melhor o papel de um certo líder atual de cor alaranjada nos protestos de junho de 2020.

Leia a crítica completa aqui.

– American Crime Story: The People vs OJ Simpson, de 2016, criado por Scott Alexander e Larry Karaszewski 

A série American Crime Story se presta a recontar os meandros dos crimes mais famosos dos Estados Unidos da América, sua primeira temporada foi sobre os assassinatos mais polêmicos da história daquele país até então. Em junho (olha junho aí novamente) de 1994, Ronald Goldman e Nicole Brown Simpson, então ex-esposa do astro do futebol americano e ator OJ Simpson, são brutalmente assassinados a facadas. OJ é mais um dos muitos negros americanos (tal qual ocorre aqui) que encontraram no esporte uma maneira de ascender socialmente e, por causa da montanha de provas que haviam contra si, era o único suspeito do assassinato da ex-mulher e do cara com quem aparentemente ela estava saindo.

O interessante desta série, contudo, não é discutir a culpa de OJ, sendo certo que hoje em dia é quase unanimidade entre gente de todas as cores que OJ é, sim, culpado. O que importa aqui é todo o contexto de tensão racial que circundava este que foi o julgamento mais midiático e cheio de excessos de que se tem notícia, uma vez que ele veio a acontecer quando os EUA ainda convalesciam da ferida ocasionada pela brutalidade policial contra Rodney King em 1991, o que deflagrou uma onda de protestos de um povo preto e oprimido que dizia “basta” àquilo tudo.

A minissérie – com maestria, roteiro impecável, direção exuberante e atuações acima da média de um elenco estrelado (Sterling K. Brown, Cuba Gooding Jr., Sarah Paulson, John Travolta, Courtney B. Vance, dentre outros) – vem para mostrar essa chaga gigante que segue aberta na sociedade americana, apresentando um julgamento no qual todas as sutilezas da questão racial nos EUA são postas em xeque e dissecando dolorosamente diversos elementos que explicam perfeitamente o que está acontecendo hoje.

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