Crítica: Cursed: A Lenda do Lago (Cursed)

No início dos anos 80, a escritora americana Marion Zimmer Bradley imaginou, nos livros As Brumas de Avalon, as lendas do Rei Arthur narradas sob o ponto de vista das mulheres. Os quatro longos tomos acompanham o papel feminino nos bastidores de uma Bretanha dividida entre as tradições pagãs Celtas e a nova religião Cristã Romana que tenta se impor como hegemônica. Ali os heróis da Távola Redonda eram mostrados ou como brutamontes toscos ou meninos cheios de testosterona tentando se provar num mundo de brutamontes toscos cheios de testosterona enquanto suas mulheres viam seu mundo ser despedaçado ao seu redor – e tentavam fazer algo sobre o assunto.

Cursed: A lenda do Lago revisita esta ideia e tenta transportá-la para o século 21. Na série de 10 capítulos acompanhamos Nimue (Katherine Langford, a Hannah Baker de “13 Reasons Why”). Nimue é herdeira da sacerdotisa de uma tribo de fadas (que aqui preferem ser chamadas de Fey) em uma corrida contra o tempo para entregar uma espada sagrada ao mago Merlin. Sua esperança é que de algum modo isso possa salvar seu povo que está sendo exterminado pelos malignos Paladinos Vermelhos, uma ordem de monges guerreiros cristãos que quer impor sua religião à força. No caminho, ela encontra Arthur, um mercenário com um passado trágico que precisa decidir-se herói ou apenas um bandido tentando sobreviver num mundo cruel.

Capitaneada por Frank Miller (o gênio por trás de Sin City, Os 300 de Esparta, e O Cavaleiro das Trevas, a mais aclamada Graphic Novel do Batman), a série tinha tudo para dar certo: produção bacana, personagens atuais (mulheres protagonistas, diversidade racial e sexual), mas peca por abraçar a maldição de Gerra dos Tronos. A série é aconselhável para maiores de 16 anos e falha ao tentar mais uma vez criar um “conto de fadas adulto”. Enquanto As Brumas de Avalon o faz com maestria, mostrando personagens complexos, tramas densas e inteligentes, trazendo as lendas da Távola Redonda para um universo maduro, Cursed cria um mundo bonitinho de pessoas boazinhas que de tão boazinhas são de uma ingenuidade infantil – as fadas são crianças com asinhas e a protagonista é uma heroína acidental aos moldes de uma Princesa da Disney – e o lambuza de sangue, tripas e uma bunda ocasional para agradar àqueles que ainda sentem saudade da Khaleesi.

Nimue, é como uma Fiona que carrega uma “maldição imperdoável” e de tempos em tempos esquarteja um mané, Arthur é o malandrilson arrependido que não sabe se fode ou sai de cima, e os tais Paladinos Vermelhos e todo o Império Romano Germânico Cristão que tenta sufocar os povos infiéis nos cafundós da Europa são mostrados como um Reino Mau da Maldade Maligna de história de criança, mas que de vez em quando queima, crucifica ou tortura alguém. Tem até um Darth Vader que chora sangue, um personagem bem legal, diga-se de passagem, mas que fica perdido sem saber se está em Wonderland ou Westeros. Se o cristianismo fosse mostrado um pouquinho mais “histórico”, teríamos vilões muito mais aterrorizantes e a série conseguiria com sucesso seu carimbo de “16 anos pra cima”. Ou, melhor ainda, se tivesse mirado no público PG13 aos moldes da série “Once Upon a Time” (e Cursed é apenas uns 5 ou 10% mais “madura” que o mundo de Regina, a Rainha Má) teria sido muito mais bem sucedida, atingindo a um público que provavelmente teria apreciado bastante mais tudo o que a série tem para oferecer.

Para o espectador que curte versões repaginadas de heróis das antigas e consegue ignorar as tentativas tortas de fazer um conto de fadas parecer mais “bruto e sombrio” do que precisa ser, a série é bem divertida. Aliás, é bastante mais legal que todas as outras versões modernas de Rei Arthur Ninja, ou Robin Hood Ninja, ou Os Três Mosqueteiros Ninjas, ou A Muralha da China Ninja com Matt Damon. É daquelas séries divertidas de se ver no fim de semana e eu apreciei como tal, mas reconheço que é necessário um gosto e um humor especial pra curtir o que a série tem de bom e ignorar a bobagem.

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