Crítica: Desejo Sombrio (Oscuro Deseo)

De uns tempos para cá, tornou-se mais comum a produção de obras cinematográficas com certo olhar menos pudico para o sexo. Inúmeras, porém, são as realizações que falham no meio do caminho ao não conseguirem se definir como romance, thriller ou drama; ainda que fossem multigênero, a falta de uma direção segura faz a produção ruir e não se sustentar por si só. Novo lançamento da Netflix, a série Desejo Sombrio também engloba em si diversos gêneros, incluindo uma temática sexual muito latente. Esta, contudo, consegue manter seus diversos elementos na rédea, fazendo com que a temporada de 18 episódios de cerca de 30 minutos cada tenha muito a oferecer ao seu espectador.

Alma (por Maite Perroni, cuja extrema beleza não esconde o enorme talento) é uma mulher casada com um grande juiz do México, com quem tem uma filha a cursar medicina. A família aparentemente perfeita esconde muitos conflitos em suas relações internas, desnudando esta carapuça de idealismo que nos é apresentada. Toda a frágil estrutura familiar começa a ser abalada quando Alma, em uma festa na qual não queria estar, se sente loucamente seduzida por um jovem homem, Darío Guerra (por Alejandro Speitzer), com quem tem uma noite de sexo selvagem. O que, para ela, fora só uma ocasião (muito embora seus sentimentos começassem a traí-la), para o rapaz deveria ser uma definição: ele começa a perseguir Alma e adentrar em seu círculo pessoal. Trabalho, amigos e família: nada escapa ao garoto sedento por mais daquela relação. Alma, uma grande advogada e professora, que trabalha especificamente contra a violência às mulheres, se vê no meio de um jogo perverso que pode colocar toda sua vida em um caos iminente.

“Ninguém é inocente…”

Como se não bastasse só este conflito, sua melhor amiga (na casa de quem tivera a noite tão carnal) aparece sem vida. O que parecia ter sido auto-infligido sugere, agora, um sem-número de teorias e um algoz por trás. Nesse momento, a trama da série se torna demasiado rocambolesca, mas sem se perder em suas tantas idas e vindas narrativas. Os desejos, aos quais o título se refere, não são tão somente as buscas sexuais e a paixão retumbante de Alma por Darío. Cada um dos personagens envolvidos no conto esconde um desejo tão humano quanto as vontades pessoais de nossa protagonista. Em determinado ponto da narrativa, desistimos de tentar descobrir o que está se passando em nossa frente, uma vez que a direção constantemente quebra nossos horizontes de expectativa. Somos, então, deixados levar por aquela montanha russa de acontecimentos que nos faz de títeres, tal qual o faz com seus personagens. Para aqueles que gostam de sair de uma experiência cinematográfica com respostas, aqui é um prato cheio: a obra trata de responder a tudo o que ela abre, basicamente. E ainda que um erro muito comum a produções que tentam mexer com a interpretação dos espectadores seja o deliberado ato de enganar quem assiste, Desejo Sombrio, apesar de uma cena ou outra um pouco mais forçada, não incorre neste delito a todo instante.

Outro ponto alto da produção são as atuações do elenco, com destaque principal para Maite Perroni, que consegue nuances muito expressivas em seus silêncios ou em suas falas, abrindo-nos para este interessante personagem que seguimos. Se, de início, a vontade pelo sexo fora de um casamento rotineiro nos fez relembrar seu trabalho em “O Jogo das Chaves”, durante o desenvolvimento da série ficamos com a certeza de que Maite alcança níveis muito além e diferenciados ao encarnar Alma, esta mulher complexa que se divide entre a força determinante externa, engajada com a representatividade feminina na sociedade, e um indivíduo que, internamente, está (como qualquer um) abalado pelos sentimentos que parecem atravessar desgovernados sua vida. Esses elementos, incrementados com uma trama investigativa rocambolesca e muito de um thriller psicológico bem amarrado, fazem desta produção uma peça muito interessante e com vários elementos a serem analisados.

“…muito menos tu”.

As boas características narrativas aliadas a personagens que despertam curiosidade, liderados por uma Maite Perroni inspirada, produzem um resultado que justifica o boom de audiência em diversos países; a partir do que podemos inferir que haverá uma segunda temporada, já que a conclusão nos abre uma segunda possibilidade de trama a ser explorada. Se para alguns o vai e vem de acontecimentos pode parecer cansativo, para outros se torna envolvente. O fato é que todos os episódios são bem narrados e dirigidos, o que já é o suficiente para cumprir com a proposta da série. Mas, além disso, a imediata identificação com os protagonistas serve para nos engolir nessa história de mistérios e desejos, já que todos nós também somos, em muito, regulados pelos nossos desejos. Sombrios ou não.

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