Critica: Estado Zero (Stateless)
Existem mais de 70 milhões de pessoas perseguidas e desabrigadas no mundo, refugiados que buscam asilo e proteção. Metade delas, pasmem, são crianças. Este número absurdo, somado à história de Cornelia Rau, se transformou em motivo de uma nova reflexão necessária sobre a crise mundial humanitária no sistema de detenção de imigrantes e deu luz à nova minissérie da Netflix, cuja produção é da talentosíssima e premiada Cate Blanchett.
Uma australiana considerada ilegal detida injustamente foi descoberta em 2005 no Centro de Detenção Baxter, onde ficou presa por longos dez meses. Este fato foi levado a inquérito público por apresentar falhas e provocou a exigência de uma reforma urgente no departamento de imigração da Austrália. Rau é Sofie Werner (Yvonne Strahovski), protagonista na série, uma comissária de bordo que se tem sua saúde mental abalada após se envolver com uma seita bizarra e manipuladora e dela ser expulsa pelos líderes (Pat, interpretada por Blanchett com sua breve e magnífica participação, e Gordon, vivido por Dominic West). Apesar de diagnosticada com transtornos mentais como bipolaridade e esquizofrenia, não só é chocante como também parece impossível acreditar que nem as autoridades nem ninguém tenha desconfiado de sua nacionalidade, uma vez que processos minuciosos são utilizados para avaliação e julgamento dos admitidos na instalação.
Estado Zero estreou trazendo à tona negligências e descaso numa das questões mais importantes do momento atual da nossa sociedade, narrada sob a perspectiva de 4 personagens e seus pontos de vista diferentes. A trama, embora curta, construída em apenas 6 episódios, aborda toda a tensão da temática num ritmo lento, contando com elenco e atuações brilhantes.
Sofie foi apenas o estopim diante de uma minoria ignorada em vários países ao redor do mundo, pois existem outros casos muito mais complexos de refugiados julgados erroneamente que nunca tiveram como provar sua inocência e ficaram a mercê da sorte e diante da única triste opção de retornar ao seu país de origem, destinando-se a muito provável e quase que inevitável morte.
Esta é a situação de Ameer (Fayssal Bazzi), um refugiado afegão que, junto de sua família, busca exílio, melhores condições de vida e, principalmente, liberdade para suas filhas reprimidas na cultura talibã. Já do lado opressor, Cam Sandford (Jai Courtney), o mais novo funcionário do centro de detenção, é um pai de família que, a princípio, trata os internos com mais sensibilidade que os demais e mostra certa indignação diante de algumas constantes injustiças, porém, acaba se vendo num dilema entre cumprir suas obrigações e se beneficiar dos privilégios que seu cargo oferece ou não abrir mão de seus princípios e voltar ao estilo de vida sem regalias. Claire (Asher Keddie), a quarta e última peça chave na trama, está no topo da hierarquia e, por ser administradora do local, acaba deixando sua humanidade de lado e fazendo inimigos por onde passa. Todos precisam enfrentar diferentes e complexos obstáculos para sobreviver e trazem uma carga emocional pesada que conduz o espectador com absoluta empatia diante do escândalo em questão.
Estado Zero é um convite a conscientização global diante de um posicionamento tão relapso e cruel sobre a ausência de dignidade e respeito com seres humanos em situação de risco.
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