Crítica: Quase uma Rockstar (All Together Now)
Algum profeta bíblico – ou talvez Nostradamus, não me lembro – previu que haveria uma maldição que forçaria os tradutores brasileiros a falharem miseravelmente toda vez que tentassem adaptar o título de um filme estrangeiro de significado não-óbvio para o português. Quase uma Rockstar é mais uma prova pro Padre Quevedo acreditar nessas coisas.
Lançado pela Netflix em uma dessas levas de filmes de orçamento enxuto que dificilmente seria produzido pelos grandes estúdios, All Together Now no original (“Todos Juntos Agora”, em uma tradução literal muito mais coerente com o enredo do filme) conta a história de Amber Appleton, uma adolescente dessas com o coração maior que o mundo, que é voluntária num lar de velhinhos, dá aula de inglês numa igreja coreana, ajuda na produção da peça da escola, faz campanha de caridade pra angariar fundos pra causas importantes, prepara sanduíche de geleia com manteiga de amendoim pro crush, canta com uma voz de diva, mas esconde dos amigos que mora com a mãe num ônibus escolar.
Amber, interpretada por Auli’i Cravalho – a voz da Moana na animação da disney – tem um sonho: estudar canto em uma prestigiosa faculdade. Quando é chamada para uma audição e seu sonho parece estar a uma viagem de distância, o universo resolve cagar em sua cabeça mais do que uma menina é capaz de suportar. Ela terá de encontrar forças para superar tragédia atrás de tragédia, e deixar de ser cabeça-dura e orgulhosa, aceitando a ajuda das pessoas que a amam.
Como eu anunciei na introdução, o título em português engana. Eu imaginei que esse seria um musical adolescente no estilo “Glee”, “High School Musical”, ou algo assim, e, na verdade, número musical mesmo só aparece duas vezes e em situações muito bem escolhidas. O filme é bastante mais sério do que o nome indica e é desses que alternam momentos doces e agradáveis com drama daqueles de rasgar o coração. Até cachorrinho velhinho a menina tem (e como minha esposa sempre evidencia, se tem cachorrinho no filme você sabe que vem chororô). Seria um dramalhão exagerado não fosse o talento dos atores que conseguem vender a história de forma absolutamente crível. Além de jovens mais ou menos desconhecidos o filme conta com Justina Machado (de “Fúria em Duas Rodas” e “A Sete Palmos”) como a mãe de Amber, uma dessas mulheres que por mais que tente ser uma boa mãe acaba sempre voltando pra sarjeta, Fred Armisen (de “Saturday Night Live” e “Portlandia”) como o professor otimista da menina, e Carol Burnett (rosto conhecidíssimo como coadjuvante desde os anos 50) como Joan, uma senhorinha azeda e solitária com quem Amber tem especial cuidado no asilo de velhinhos.
O ponto alto do filme, no entanto, é Auli’i Cravalho no papel da protagonista. Ela tem um desses rostos comuns e adoráveis. O tipo de rosto que poderia ser encontrado em uma high school em Portland, Oregon, que de fato parece ter a idade que deveria ter (ao contrário das mega-gostosonas e fortalhões marombados de 30 anos no papel de adolescentes), e ao mesmo tempo um olhar que consegue te fazer sentir cada lágrima e um sorriso capaz de aquecer até o coração mais congelado.
A atriz torna crível a premissa de que mesmo uma pessoa tão fodida quanto Amber pode encontrar alguma razão para ser otimista. Soma-se a isso uma belíssima fotografia, as locações escolhidas a dedo com as florestas e rios do Oregon como pano de fundo, e uma deliciosa trilha sonora com canções indie de bandinhas hipster underground e, pimba, entretenimento de primeira pra uma noite chuvosa de sexta-feira pra se assistir do sofá abraçado com alguém.
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