Crítica: Blackpink: Light Up The Sky
Não sei se você já percebeu, mas o mundo é asiático. Mesmo que você não tenha ainda verbalizado desta forma, convenhamos, 90% do que você tem na sua casa vem de lá e já tem um bom tempo que as coisas tendiam a ser assim. Faltava apenas a cultura ocidental abraçar a produção artística asiática. O cinema já tinha cantado essa pedra antes: filmes com efeitos especiais passaram a ser produzidos, dirigidos e coreografados por asiáticos. Depois vieram os filmes-cabeça, reduto de franceses e italianos que já há pelo menos duas décadas passou a ter concorrência séria de cineastas coreanos. Pouca gente sabe, no entanto, que tal sucesso não se deu por acaso. Após uma crise que afetou a indústria de eletrônicos na Coréia do Sul, o governo de lá buscou uma fonte de renda alternativa, que não fosse tão diretamente afetada por flutuações econômicas, e encontrou na cultura e entretenimento a saída. Oferecendo incentivos para produtores e artistas que exportassem seus produtos, o ministério da cultura coreano abriu as portas para um estilo musical que começava a se formar no fim dos anos 90. Algo que praqueles lados chamam de “Idol Culture” e que veio a ficar conhecido no ocidente como Korean Pop, ou K-Pop.
Como aconteceu com as boy e girl bands dos anos 80 e 90 (quem nunca ouviu falar nos New Kids on the Block, Backstreet Boys, Spice Girls, e nos Menudos antes deles?) quando empresários malandrílsons caçavam jovens talentosos e/ou bonitos para integrarem bandas de música dançante, com coreografias, videoclipes e shows que atraíssem o público adolescente, produtores coreanos resolveram dar um passo além e não apenas copiar a formula, mas fazê-lo em nível asiático. Com músicas escritas por compositores profissionais de todo o mundo, coreografias dignas de Cirque du Soleil, videoclipes utilizando os efeitos especiais e a produção profissionalíssima da já estabelecida e premiada industria cinematográfica do país, e shows que são mega-produções comparáveis a musicais da Broadway, o K-Pop apostava na ética de trabalho e foco cirúrgico de estudantes coreanos já acostumados com a ideia de trabalharem mais do que qualquer pessoa no planeta para criarem o que veio a ser, em anos recentes, o estilo musical que mais cresce em todo o mundo. Após o sucesso estrondoso de “Gangnam Style” há quase 10 anos e com a dominação das paradas mundiais pelo grupo BTS em plena pandemia (se você ainda não conhece os caras, se prepare porque é inevitável), faltava um grupo de meninas para ocupar, também, o primeiro lugar no pódio.
Lançado hoje pela Netflix, o documentário Blackpink: Light Up The Sky conta a trajetória da banda Blackpink através de histórias contadas por suas 4 integrantes: as sul-coreanas Jisoo e Jennie, a neo-zelandesa Rosé e a tailandesa Lisa. O filme de pouco mais de uma hora de duração traça um resumo da carreira das artistas, indo de seu debut, em 2016, até o ponto em que atingiram o mercado americano ao participarem do festival Coachella de 2019. Seguindo o formato tradicional e já manjado de filme sobre artistas, o documentário traz entrevistas com as integrantes do grupo bem como com o produtor Teddy Park, veterano da Idol Band 1TYM e principal compositor para a banda, cenas de shows e gravações, material promocional, fotos e vídeos dos acervos pessoais das artistas, e, é claro, trilha sonora recheada com os grandes sucessos das moças. É receita garantia pra agradar aos fãs. Até aí nenhuma surpresa. Os fãs de verdade, ou “Blinks” como os seguidores da banda chamam a si mesmos, vão adorar as piadas internas, bloopers e chororô, bem como aquela espiadinha a la Big Brother nos bastidores de gravações, ensaios e todo aquele papo que fãzocas se amarram.
O interessante pra mim e, imagino, pra alguém que ainda conheça pouco sobre a banda ou sobre o que diabos é esse tal de K-Pop, é uma visita guiada por esse mundo que existe, de fato, do outro lado do mundo. O filme fala um pouco das origens do pop coreano, da maneira como tais bandas são formadas – aos montes e com dezenas de artistas tentando a sorte em testes organizados pelas grandes produtoras em toda a Ásia – e, em especial, nos dá um vislumbre do que levou tal estilo ao topo de todas as paradas.
Há um nível de profissionalismo e qualidade técnica e artística que já há anos não se vê com grande frequência na música e na arte ocidental. As candidatas, ou trainees como são chamadas, recebem por vários anos um rigoroso treinamento com aulas de dança, canto, etiqueta, atuação, que podem durar até 14 horas diárias com um dia de folga quinzenal, e depois de várias eliminações, como num longuíssimo “American Idol” ou “The Voice”, as sobreviventes são, muito literalmente, transformadas em pop stars e lançadas ao mundo com a esperança de que tamanho investimento traga retorno às produtoras. E, no caso da Blackpink, que em 2020 já lançou uma colaboração com Lady Gaga e outra com Selena Gomez, tal investimento parece ter valido à pena.
É nicho, eu sei, e é pros fãs, mas se você tem alguma curiosidade em saber de onde virá a música que será tocada em todo o mundo pós-pandemia, se curte aprender um pouco sobre o que é necessário pra atingir o sucesso na indústria do entretenimento, ou se tá a fim de ver e ouvir o bom e velho hip-hop e R&B americano com uma roupagem mais moderna num documentário rapidinho e divertido, é uma boa pedida.
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