Crítica: O Fascínio (Il legame)
Eu sempre me pergunto como fazer algo minimamente original quando tanto já se foi feito. Pergunto-me constantemente acerca da música. Há cordas e casas limitadas em uma guitarra, por exemplo: então, como criar algo diferente ou novo a ponto de emocionar? Existem releituras, modos diferentes de tocar as mesmas notas, na mesma sequência, mas produzindo outra coisa. Tendo a pensar o mesmo no Cinema. A forma como a história é contada nos dirá mais do que a essência da história em si, a sua linguagem ou seus conflitos. Quando o assunto é terror, voltamos a dizer que há elementos intrínsecos a este gênero e que nunca podem faltar. Mas estaria, portanto, o gênero fadado a uma eterna repetição? O Fascínio, novo terror italiano da Netflix, traz um pouco do mesmo, mas com uma roupagem um tanto mais diferenciada.
Francesco (Riccardo Scamarcio) está noivo de Emma (Mía Maestro). Ele forma uma bela família com ela e sua filha de um outro relacionamento, já pré-adolescente e que adora o padastro. Como requer a tradição familiar (em especial na Itália), a noiva precisa conhecer a futura sogra. Portanto, o trio faz uma viagem ao Sul do país para que ambas se conheçam. Chegando lá, mãe e filha descobrem práticas ritualísticas tradicionais da região sendo encabeçadas pela matriarca. Abrindo um breve parêntese, tais práticas são de fato reais na Itália e existem até o presente momento. Assim, a tensão surge não só pelo medo do desconhecido, mas sobretudo pela relação frágil entre futuras sogra e nora a ser construída. Tudo começar a ruir quando a filha de Emma e ela própria parecem sofrer uma investida de uma entidade que perambula pelo grande terreno da família de Francesco.

Por algum momento, ficamos perdidos entre as verdadeiras intenções da matrona: seriam as práticas dela bem-vindas aos novos convidados ou seriam travestidas de bondade para, na verdade, realizarem algo de cruel? Conversas tensas como “que bom que sua filha encontrou um pai agora”, referindo-se a seu próprio filho, mas obtendo como resposta “ela já tem um pai” demarcam um dos interessantes subtextos que a superficialidade do gênero poderia esconder: a supracitada conflituosa relação a ser construída entre sogra e nora. Para além disso, vestígios de um antigo relacionamento de Francesco, ainda guardados como em um museu obsoleto na casa, incrementam a aparente desastrosa relação das duas, para desespero do filho (quem é italiano sabe o quanto isso pode ser desesperador). Para além disso, o duelo de perspectivas (polarizado pelas mesmas duas) se mantém constante e consolidando o conflito: o sobrenatural versus o científico. O que para uma é a ação de uma entidade nervosa, para outra são sintomas a serem tratados por médicos. Os abalos familiares permanecem. À espreita, a entidade continua em suas investidas.
Como dito na presente introdução, há cenas muito semelhantes já vistas em outros filmes. Porém, não há uma estrutura narrativa tão deliberadamente igual a tudo no terror. Dessa forma, quem adentra a obra aguardando o mais comum do Cinema de terror poderá sair insatisfeito. Há seus elementos, de fato; mas há subtextos mais importantes do que o modelo a priori engessado do gênero. Observamos a tensão e algumas cenas de medo comuns ao estilo, no entanto um passeio pelas relações familiares e pelas tradições locais fazem o filme alcançar um degrau além do que poderíamos esperar. E é exatamente este “ir além” que se torna o grande destaque de O Fascínio. Muito mais do que uma entidade à solta, querendo vingar algo de seu passado; muito mais do que jump scares baratos; o medo aqui vem das escolhas que cada um faz definido os caminhos pelos quais desejam andar.

A velha casa grande e isolada está ali. As velhas portas que rangem e os corredores que sussurram com correntes de vento também estão ali. A alma penada que se mescla com esses elementos de todo e qualquer casarão está ali presente igualmente. Mas, mais do que isso, temos uma jornada através da tradição ritualística real do Sul da Itália, que grita diante de uma relação familiar de uma nova geração que tenta, a todo custo, se afastar do velho rumo a um novo sem grandes experiências ou respostas.
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