Crítica: Bill & Ted: Encare a Música (Bill & Ted Face the Music)

Lá na longínqua década de 90, o jovem Fields era uma criança/adolescente excluída, introvertida, alvo de bullying, sem amigos e sem dinheiro para comprar a felicidade. As únicas coisa que ele tinha que traziam alívio para a sua solidão era o seu cachorro Snoopy, que o mordia dia sim e dia não, e o bom e velho rock and roll, seu refúgio até os dias de hoje para qualquer circunstância. Era uma época onde quem tinha tv a cabo era rico e não existia a internet. Todo o consumo das mídias que hoje se dão por streaming era feito ou na tv aberta ou comprando algo em lojas físicas. E eis que em um belo dia, assistindo “Sessão da Tarde” na Globo, começa algo que marcaria o jovem Fields para sempre: Bill & Ted com “Uma Aventura Fantástica” e “Dois Loucos no Tempo”.

Tudo que viria a ser novas paixões e interesses dele estavam lá e exerceram influência brutal na formação dessa minha versão atual que vos escreve. Fui levado por uma jornada com viagens no tempo, extraterrestres, figuras históricas, a morte (literal e figurativamente) e muito, mas muito, Rock and Roll. Bill e Ted eram a epítome de como eu queria ser: divertidos, não ligando para o que os outros pensam e buscando mudar o mundo para melhor através da música, como no Live Aid, e tudo sob a influência do um sábio guru, que na franquia era o Rufus, interpretado pelo gênio George Carlin, curiosamente alguém que viraria inspiração também na vida do Fields adultinho décadas depois. Enquanto o Kiss bradava o trabalho duro, esforço, dedicação e nunca desistir dos seus sonhos no hino “God Gave Rock ‘N’ Roll To You II” e assegurava que Deus havia colocado esse gênero musical no mundo para que ele fosse um lugar melhor, tudo que eu sonhava era ser um Garanhão Selvagem.

Mas o tempo passa e concessões precisam ser feitas para adentrar na vida adulta, recheada de contas e responsabilidades. O futuro cheio de cores brilhantes vira um presente cinza, enquanto somos afogados por (des)informação e produções audiovisuais a torto e a direito recicladas da nossa infância. No meio disso chega aos cinemas brasileiros Bill & Ted: Encare a Música, um filme que tenta consagrar uma trilogia com um hiato grotesco de 29 anos, mas que falha miseravelmente. Começamos com nossos Garanhões Selvagens tentando ainda compor aquela música que uniria todos os povos e os tornariam deuses desse novo mundo. Contudo, em vez de lotar estádios de futebol, Bill e Ted tocam em casamentos e lugares esquecidos pelo mesmo Deus que parece ter tirado o rock da lista de requisitos para um mundo melhor. Incapazes de concretizar a profecia, Bill e Ted são “sumonados” no futuro mais uma vez e recebem um ultimato: ou eles entregam essa música em 24h ou o tecido do espaço tempo entrará em colapso, acabando com a realidade que conhecemos.

Começa aqui a saga deles de roubar a música deles mesmos num futuro onde eles já a teriam composto. Sem querer estragar a sua vontade de assistir, mas já estragando, além de criar paradoxos temporais que embolam a cabeça de forma que eu já te adianto que não compensa tentar entender, a obra encontra no final uma explicação para as muitas pontas soltas de forma nada satisfatória e que te toma como imbecil. Mas ok, é Bill & Ted e não um filme do Scorsese. Você não procura aqui significados profundos ou ter aprendizados catárticos, mas, sim, se divertir com uma aventura no mínimo prazerosa. Não é o caso… os protagonistas nos arrastam por uma série de períodos no tempo com encontros com eles mesmos que mal valem a alegoria da piada.

Porém, nem tudo está perdido. Há um outro núcleo que dá um sabor especial ao filme, que também embarca numa viagem no tempo paralelamente aos Garanhões Selvagens, as filhas dessa dupla dinâmica, que, por falta de criatividade, chamarei de Potros Selvagens. Essa dupla sim resgata o espírito dos dois primeiros filmes e nos entrega uma jornada interessante. Enquanto no primeiro filme você tinha personalidades históricas sendo raptadas e no segundo uma banda composta por seres de dimensões diferentes, os Potros Selvagens tentam orquestrar uma ode à música recrutando grandes músicos e compositores do passado com a ideia de ajudar seus pais a compor a canção que salvaria o mundo.

Confesso que tenho medo de rever esses filmes e eles perderem seu brilho ao constatar que eles são tão mal atuados, escritos e editados quanto Bill & Ted: Encare a Música, evidenciando que tudo está perdendo seu brilho e que estou ficando velho e exigente demais. Aqui falta tudo. Piadas ruins, filme de 1h30min que parece ter o dobro disso, a ausência de Rufus – já que George Carlin faleceu nesse meio tempo – que pesou bastante, assim como a dos Divinos. E embora a Morte esteja presente, sua aparição foi muito mais coadjuvante a fim de fazer um fan service do que uma peça que fez o longa funcionar e é uma pena que seja assim. Talvez de fato esse filme seja uma alegoria para a vida, que perde a graça conforme o tempo passa.

Fica a dúvida: será que numa realidade pandêmica a música pode nos salvar? Não sei, mas sei que não conseguiu salvar Bill & Ted: Encare a Música.

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