Crítica: A Ligação (Call)
Um dos assuntos que eu mais tento abordar em meus garimpos é o suspense, especialmente quando aliado à temática de psicopatas. Seja em documentário, seja em live action, quando surge uma obra que aborde isso, lá estou eu a resenhar ou garimpar. Essa semana, tivemos uma tripleta que automaticamente me faz mergulhar em uma produção: suspense com temática de psicopata vindo da Coréia do Sul. A Ligação é o novo lançamento original Netflix que certamente irá dominar sua atenção ao longo de quase duas horas de narrativa.
Seo-yeon (por Park Shin-Hye, de “#alive”) é uma adulta que volta à antiga casa de infância, já vazia por algum tempo. Ali, ela recebe uma ligação estranha de alguém pedindo por socorro. Essas chamadas insistem ao longo dos dias, até que Seo-yeon descobre se tratar de uma ligação do passado, durante acontecimentos que se desenrolam naquele mesmo terreno. Do outro lado da linha, está Young-sook (Jong-seo Jun), uma menina sofrendo investidas cruéis de sua madrasta, uma xamã, que parece torturar a pobre garota, impedida de ir ao ar livre. Como se saída de uma ideia genial, Seo-yeon pede a Young-sook, que vive alguns anos no passado dela, para salvar seu pai, que perecera em um incêndio. Dessa forma, de maneira fantástica, o presente é mudado e a protagonista tem de volta seu progenitor. Uma vez dado certo, as duas começam a trocar favores para que tanto o passado, já conhecido pela personagem do presente, seja mudado, quanto o futuro também possa ser transformado durante este presente.

O que Seo-yeon não esperava é que estivesse lidando com uma psicopata e a madrasta xamã, à primeira vista cruel, era só uma autoridade religiosa tentando enjaular o que de bestializado havia naquela garota. Assim sendo, nossa protagonista se torna refém da antagonista, que pode, com um mero gesto, mudar por completo o presente da atordoada personagem. Separadas no tempo, mas conectadas por essa ligação, ambas mergulham em possibilidades de passado e futuro, utilizando-se de seus presentes para que o cenário de cada qual mude. O clima tenso de toda a narrativa segue em rédeas curtas na mão do diretor Chung-Hyun Lee, debutando nas produções de longa-metragem (na verdade, a partir do IMDb, o rapaz só assina um curta e este longa), fazendo um excelente trabalho. O grande destaque se dá para a alegoria que ele cria muito bem: quem de nós não é refém de nosso passado? No filme, Chung-Hyun Lee apenas personifica passado e presente, sendo o primeiro uma entidade controladora e a segunda uma pessoa assustada, tentando driblar situações que surgem muitas vezes fora de seu imaginário.
Vários são os elementos com que o filme consegue não só flertar, mas sobretudo passear com passos firmes. Os pré-julgamentos dos quais nunca escapamos, ao afirmarmos com veemência sobre situações baseadas em meros estereótipos (se a xamã tivesse êxito em sua tentativa, algumas vidas teriam sido poupadas); os acontecimentos que mudam, mas que criam novos presentes, mostrando-nos que jamais poderemos ter pleno controle do que está à nossa volta; e os traços animais que todo ser humano carrega em si, ao ter vazão, apenas o coloca na mesma escala de evolução de qualquer outro animal: isto é, nenhuma. Tantos são os assuntos e as abordagens que A Ligação produz sem, em momento algum, sair da linha ou focar no que não deveria. A ligação fantasiosa é mero pretexto para mergulhar em assuntos tão interessantes e verdadeiros para todos nós.

Aquele que vier a esta obra esperando ser envolvido como em uma teia de aranha, assim será. Cena após cena, a produção vai nos impedindo de sair de suas armadilhas inteligentes, tal qual Seo-yeon, que se mantém presa ao seu passado, seja na figura de seus traumas, seja na encarnação da bestial Young-sook. Um título que conduz muito bem sua proposta, conseguindo ir muito além em suas realizações.
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