Crítica: Natal com Dolly Parton (Dolly Parton's Christmas on the Square)

Então é Natal. Ou melhor, é aquela época do ano antes do Natal quando tudo, de uma hora pra outra, é sobre este feriado: todas as propagandas de televisão trazem promoções de presentes em potencial, aquele disco de canções natalinas com Roberto Carlos e Fafá de Belém sai da gaveta e povoa as caixas de som de cada um dos supermercados brasileiros, as fachadas das casas viram pistas de pouso. Aqui em terras brazucas, teremos o tradicional bacalhau na casa da vó, a missa do galo e alguma comemoração no Faustão, mas, nos Estados Unidos, há a tradição milenar de convidarem cantores para fazer especiais de Natal. Sim, eu sei, aqui também temos o supracitado Robertão em paletó e palco branco cantando seus grandes sucessos com artistas do momento, mas lá a parada é séria. Toda emissora de TV tem um especial de Natal (ou mais!) com nomes que vão de Michael Bublé a Blake Shelton em uma historinha bem humorada recheada de canções, convidados, e efeitos especiais de baixo orçamento. A Netflix, para garantir seu lugar como uma das grandes emissoras mundiais, não poderia fazer diferente e trouxe a diva máxima da música country americana, Dolly Parton, para atuar, cantar, compor e produzir seu show de fim de ano.

Se você é um desses desinformados que acha que música country é só o sertanejo que já saiu da universidade, errou feio e errou rude. Lá nos states, Country Music é e sempre foi o estilo musical mais importante da indústria fonográfica (aqui no Brasil também, mas pouco se fala disso), e se há alguma unanimidade nesse meio é que Dolly Parton é a sua celebridade absoluta. Não conhece? Além de madrinha de Miley Cyrus, Dolly compôs a canção Jolene, um dos maiores clássicos da música de cowboy, e I Will Always Love You, imortalizada por Whitney Houston na trilha sonora de “O Guarda-Costas”. Ambas na mesma tarde! Ter a cantora como carro-chefe das comemorações de Festas do canal de streaming não é pouca mariola não.

Natal com Dolly Parton (ou Natal na Praça, em tradução livre do original) conta a história de uma cidadezinha no Kansas que celebra alegremente as festas de fim de ano em sua pracinha perfeita, dessas com coreto, cachorrinhos fofinhos, crianças dando cambalhotas, bailarinas rodopiando e toda e qualquer pessoa de todo e qualquer grupo que você puder imaginar – maioria e minoria – cirurgicamente ali representados. Numa cidade pequena. No Kansas. E é então que, no meio da alegria e celebração, surge Regina (Christine Baranski reprisando seu papel em “The Good Wife”), herdeira da cidade (sim, seu pai, um senhorzinho bonzinho e amado por todos foi o fundador da cidade e era o dono de todos os prédios e terrenos da dita cuja), entregando avisos de despejo pra todo mundo, anunciando que não aguenta mais estar ali e que a cidade será vendida pra que se construa um Mega Shopping Center em seu lugar. Rocambolesco? Você ainda não viu nada!

O filme é um musical adaptado de uma peça de mesmo nome que teve suas canções escritas por Dolly Parton num estilo que mistura aquela coisa exagerada da Broadway, com aquela coisa ainda mais exageradona da country music e aquela coisa completamente sem controle dos louvores das igrejas evangélicas americanas. Aí temos de tudo: o pastor bonzinho (Josh Segarra, o Adrian Chase/Prometheus de “Arrow”) casado com a dona da lojinhas de roupinhas de crianças, casal este que, apesar de todas as suas preces, não consegue ter um filho, a cabeleireira (Jenifer Lewis, a Ruby de “Black-ish”) com vozeirão de coro de igreja, melhor e única amiga de Regina, Treat Williams (de “Hair” e um monte de outros filmes que você certamente já viu) no papel do amor perdido da vilã, e a própria Dolly Parton como uma “coach” de anjo que ajuda a anjinha iniciante Felicity (Jeanine Mason, a Dra Sam Bello de “Grey’s Anatomy”) a salvar a alma da megera azeda antes que ela destrua a cidade. É óbvio que teremos uma repaginada em Charles Dickens onde o anjo Dolly Parton nos levará em uma viagem ao passado através de suas canções para entenderemos o porquê de tanto amargor no coração de Regina, enquanto o pastor da cidade lidera os moradores num protesto contra seu despejo iminente.

Não deixe que todo o sarcasmo apresentado acima te confunda, eu adoro Natal! É meu feriado favorito e eu sou daqueles panacas que chora com qualquer historinha de criança órfã conhecendo Papai Noel. E eu juro que eu sentei querendo gostar do filme. Eu adoro Dolly Parton e música country é meu “guilty pleasure” (meu boxed set especial DE NATAL do Garth Brooks vendido apenas na Best Buy com 6 CDS e um DVD com show em Vegas está aqui que não me deixa mentir), mas cacete, foi difícil! Não é que eu esperasse uma grande produção com profundidade e enredo que mudariam minha maneira de encarar a sétima arte, mas a tal razão que fez Regina ir de mocinha-fofinha-apaixonada-pelo-garoto-bonzinho-da-escola a rainha má da Branca de Neve é de um sem pé-nem-cabeça que fica difícil levar o filme a sério. Não que isso jamais tenha acontecido na história da humanidade (estou tentando muito manter a crítica sem spoilers), mas, caralho, com um “pai bonzinho” desses, me admira a pobre vilã ainda ter um resquício de coração a ser salvo! É claro que no final tudo se ajeita no estilo fim de novela da Globo, há revelações bombásticas e milagres a rodo, mensagem bem “2020” de que dinheiro não é tudo na vida e que se deve viver intensamente cada momento, o tal pai é postumamente perdoado e todos dançam e cantam ao som de Dolly e suas canções de Natal.

Yee Haw!

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