Crítica: Break: O Poder da Dança

Há todo um nicho de filmes de dança, normalmente alocados sob a categoria “Drama”, que em geral conta mais ou menos a mesma história: Dançarina com grande potencial precisa se superar para conseguir ser bem sucedida em uma audição/concurso/espetáculo. Ela geralmente tem que encarar alguma tragédia ou barreira pessoal e quase sempre ela consegue fazê-lo com a ajuda de algum rapaz forte que, ou é o “muso” que a moça precisava encontrar, ou o obstáculo final que ela precisará sobrepujar pra tornar-se quem ela almeja ser.

Break: O poder da Dança é o”filme de dança” da semana na Netflix. Porque, sim, surpreendentemente ou não há um lançamento do tipo quase toda semana no site de streaming e eu e minha esposa assistimos a quase todos. Eu curto. Minhas irmãs foram bailarinas (uma ainda é professora de dança) e eu cresci dentro de uma academia de ballet, acompanhando aquelas garotas passarem pelo único processo de treinamento mais desumano que o do BOPE. Eu presenciei as lágrimas, as bolhas nos pés, as lesões, as humilhações infligidas pelas pessoas que deveriam estar incentivando-as (com o argumento de que estavam fazendo isso para tornarem-nas mais fortes e prontas para o estrelato, mas isso sempre me pareceu aquele papo babaca de quem tomou trote na faculdade e faz questão de passar a tradição pra frente), além, é claro, de belíssimas apresentações de dança.

Aqui temos a não muito original história de Lucie, uma promissora bailarina que sofre um acidente e precisa dar a volta por cima pra participar da seleção para ingressar em uma grande companhia. Lucie, que faz dança aérea (aquela onde as pessoas se prendem em fitas ou cordas e dão piruetas pelo ar) encontra no Break Dance (aquela onde as pessoas dão piruetas no chão ao som de hip-hop) sua chance de se reinventar. Só na Netflix eu já vi o mesmo enredo (com detalhes diferentes, acidentes diferentes e estilos de dança originais e finais diferentes) pelo menos umas 3 vezes esse ano, mas todos os outros filmes eram americanos e seguiam o mesmo papo de sempre, que com esforço, treino e dedicação a moça conseguirá o que almeja. Esse é francês, e apesar de ser mais do mesmo, consegue sair um pouco daquela caixinha manjada de sempre.

Como, você me pergunta? Em sendo francês ele consegue acumular uma quantidade tão grande de tragédias, empecilhos, problemas e questões que eu acabei me percebendo imerso na história mais que o normal. A tragédia principal – o acidente – que seria o foco de um filme hollywoodiano, passa batido em menos de 5 minutos apesar da visível gravidade. É como se os franceses dissessem: “Quase morrer não é nada!” – tragada num cigarro, gole numa taça de vinho tinto – “perigoso mesmo é enfrentar as dores emocionais da existência humana num mundo injusto onde as mazelas do mundo capitalista são sentidas por todos, e o médio-burguês de Paris precisa reencontrar sua essência humana sujando-se com o proletário que entende, de fato, o que é necessário para se fazer arte”.

Tá rindo? Pois o filme é exatamente isso! É bom? Não. Mas some-se cenas belíssimas de dança (em especial a aérea na sequência de abertura que nos faz pensar que, entrando um francês em cena os americanos tomam surra de baguette mole na cara quando o negócio é filmar Ballet) com o simples fato de o filme não se passar em Nova York, ou a moça desejar ir pra Nova York, ou ter saído de Nova York pra se reencontrar em alguma cidadezinha do meio-oeste americano, e temos um filme bastante mais bacaninha que a média. Quer dizer… mais bacaninha que a média dos “filmes de dança”, que, convenhamos, tirando um raríssimo “Cisne Negro” não é um gênero cinematográfico que tenha presenteado o mundo com grande bosta. Mas se ver corpos se movendo de uma maneira que um ser humano não deveria ser capaz de realizar, enquanto resolve questões existenciais Proustianas numa cama de hotel vagabundo é seu barato, então vai na fé que esse é pra você.

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