Crítica: Nova Ordem Espacial (Seungriho)
Como falado esta semana em nosso Garimpo Netflix #91: Séries, a Netflix está cada vez mais investindo em produções sul-coreanas. Seja com séries, os chamados k-doramas, seja com filmes, o acervo do streaming ficará (ainda bem!) recheado das obras deste país que arrebata loucamente seus espectadores. O novo lançamento é um sci-fi cyberpunk com toques de humor, drama e muita ação. Nova Ordem Espacial traz um quê de ocidental (o que funciona perfeitamente nessa narrativa que mistura diversas nações do planeta), mas sem deixar de lado os elementos essencialmente coreanos.
O ano é 2092 e a Terra está quase inabitável. O solo destruído há muito não permite mais o crescimento de novas árvores e a vida aqui se torna o puro caos. Em paralelo, uma empresa gigante constrói uma “nova Terra” em Marte, mas apenas para os escolhidos. Aqueles que só trariam mais desgraça a essa continuidade da humanidade seriam impedidos de integrar o seleto grupo dos que perpetuarão a raça. Entre esses extremos, há toda uma construção sociológica na órbita, onde grupos de “catadores” disputam o lixo espacial para tirarem um trocado, tentando sobreviver à lógica extremamente opressora e exploradora que se manteve além-Terra. Entre esses tantos personagens, acompanhamos a tripulação da nave Victory, composta por uma mulher, dois homens e um robô, todos coreanos. Em um estilo “Guardiões da Galáxia”, esse quarteto encontra uma possibilidade ímpar de saírem da miséria: cobrar pela devolução do suposto androide Dorothy (em uma atuação apaixonante de Ye-Rin Park), noticiado como uma arma de destruição em massa, quem o dono da grande empresa que remodela o Universo está ávido por resgatar.

Tae-ho (pelo astro de “Descendentes do Sol” Song Joong-Ki) e sua equipe, em meio a atitudes amadoras, tentam lutar contra o poderoso grupo dominante ao longo desta negociação. Muitos segredos vão sendo desvendados acerca do suposto androide, que visualmente não passa de uma criancinha, e das verdadeiras intenções do vilão da narrativa. No desenvolvimento, porém, cada membro da tripulação vai criando uma relação emocional com Dorothy e o dinheiro que poderiam conseguir na transação já não se torna tão importante. Como toda obra coreana, portanto, temos aqui, a um só tempo, diversos gêneros: humor, drama, ação, mas muito bem dissolvidos e dosados nas sequências. É verdade que a jornada dos protagonistas ganha mais atenção do que a interessante construção pós-apocalíptica e o sonho megalomaníaco obscuro travestido de bondade de nosso vilão, mas ainda assim os elementos que lapidam com mais sensibilidade este título saltam aos olhos.
Se por um lado temos na figura do vilão o supracitado quê ocidental, já que ele tem poucas nuances, apesar de ser bem mais interessante do que um antagonista comum de filme americano, por outro temos nos protagonistas da história uma construção muito, mas muito longe do herói de cartilha. Pessoas que digladiam dentro de si com seus traumas pessoais e uma queda pela degradação do mundo, apesar da esperança pela bondade persistir e tentar se fazer presente, são um dos elementos marcantes dessa obra que, acima de tudo, é o clássico sci-fi de ação. E, por ser coreana, tem sempre aquela ideia de doce-amargo, na qual o flerte com o ideal permanece, mas as notas de amargor também estão ali muito claras. Como se fosse possível aceitar a existência e ver algo de beleza em meio a tanto caos.

Se por um lado Nova Ordem Espacial não é uma obra densa nos assuntos mais profundos que toca (e nem precisava ser, já que é um bom entretenimento), por outro ela consegue lançar discussões honestas sobre o futuro próximo de uma sociedade que, em termos mundiais, caminha para o abismo; sejam pelas ações individuais, sejam por atitudes globais (aliás, destaque para a nave espacial brasileira de lixo, cujo número é 117 – mera coincidência?). Mas, para além de tudo isso, promove um divertimento que cumpre com seu objetivo e ainda encanta através da poderosa relação liderada por Dorothy, ou melhor, Ye-Rin Park.
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