Crítica: Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (Army of the Dead)
A primeira vez que ouvi falar do nome de Zak Snyder foi ao assistir a um filme de zumbi numa época em que o fenômeno pop que veio a se tornar qualquer coisa de zumbi ainda não existia. Este filme era “Madrugada dos Mortos”, de 2004, e segue, milhões de produções desse subgênero depois, um dos melhores já feitos em minha humilde e amerdalhada opinião. Snyder estreava na direção filmando um roteiro de nada menos do que a lenda zumbizesca George Romero e de um ainda jovem James Gunn, aliando o brilhantismo da escrita destes com o virtuosismo estético que Snyder viria a demonstrar depois em absolutamente todos os seus filmes.
Logo depois disso, ele se consagrou como diretor viável comercialmente ao filmar o impressionante “300”, aqui mais uma vez auxiliado pelo roteiro do também lendário Frank Miller e ao filmar, quase que quadro a quadro, a HQ de Miller. Foi o que bastava para que Snyder então se tornasse a coqueluche de nerds mundo afora, justamente em um momento em que a chamada cultura nerd começava a tomar o mainstream a caminho de se tornar a indústria trilionária de hoje.
Por que eu estou fazendo essa introdução sobre o diretor do novo Army of the Dead, potencialmente (e aqui eu tirei esse dado do meu rabo mesmo) o mais caro e ambicioso filme já lançado pela Netflix? É simples, Army of the Dead é a celebração de uma carreira de um artista inegavelmente autêntico, autoral, que sempre imprime a sua marca em tudo que faz, mas que, também de forma honesta, sempre celebrou a infantilização do adulto não enquanto objetivo comercial pura e simplesmente, mas porque, se seus filmes são indicativos de qualquer coisa, ele mesmo tem a idade mental de um moleque de 13 anos de idade.
Pense bem. Sempre que Snyder conseguiu alguma nesga de profundidade, sofisticação ou originalidade em seus filmes, ele o fez porque estava sendo guiado por roteiros de terceiros (“Madrugada dos Mortos”, “300”, “Watchmen”, até mesmo “Homem de Aço”). Toda obra roteirizada por ele mesmo sempre foi um pastiche de clichês que um rapazinho punheteiro de seus 13 anos sonharia em ver, uma bobeirada estilizada sem fim com muita, mas muita câmera lenta – o que talvez explique por que um filme vazio como Army of the Dead tenha quase 3 horas de duração, conseguindo ser quase tão sem propósito quanto o lamentável “Sucker Punch”.
No longa, o apocalipse zumbi, por causa de um bolagato e uma acalorada conversa entre dois oficiais do exército americano, ficou contido apenas na cidade de Las Vegas, mais precisamente no Strip, que é onde ficam aquele monte de hotel e putaria sem limites que eu, veterano da Rua Ceará que sou, sinceramente não achei nada de mais quando lá estive. Não há qualquer explicação, direta ou indireta, sobre como teriam conseguido conter aquela loucura só àquela parte de Las Vegas, o que só se torna um problema porque tantas outras coisas aqui não fazem sentido que a gente acaba buscando mais conteúdo no resto do longa e é incapaz de achar.
Dave Bautista, cujo personagem tem um nome mas eu só vou chamar de Dave Bautista, é um fodão genérico que teria conseguido fugir da cidade no último minuto e salvado algum grande figurão do governo que lá estava, tudo, é claro, em câmera lenta e com a música mais óbvia do mundo sendo tocada enquanto essa montagem rola com os créditos iniciais. Alguns anos depois, o governo resolve fazer o que tinha que ter sido feito anos antes e tacar, dali a alguns dias, uma bomba nuclear no local para erradicar a ameaça zumbi. Aqui entra o japonês oficial dos filmes de Hollywood da vez, o sempre excelente Hiroyuki Sanada, dono de um cassino em Vegas que tem 200 milhões de dólares em dinheiro em seu cofre impenetrável no subsolo que quer contratar Dave Bautista e sua turminha para recuperar essa grana antes da bomba explodir.
Essa premissa, aos olhos do moleque de 13 anos que é Snyder, é realmente foda. “Vamos botar o Dave Bautista para descaralhar uma porrada de zumbis e sair com centenas de milhões de dólares no final”, foi o que pensou Snyder, que também, sendo americano e produto de seu meio, não podia deixar de colocar um drama familiar sem sentido nenhum no meio. O problema dela é que seria muito mais fácil esperar a bomba obliterar os zumbis para depois ir lá recuperar a grana, bastando um helicóptero, equipamento anti-radiação ou um robô, e uma meia hora. E esse tipo de coisa permeia o filme todo. Literalmente todas as situações de conflito apresentadas poderiam ter sido evitadas com um pingo de consideração das partes envolvidas ou com 10 anos a mais de maturidade na mente de quem as escreveu.
Um bom exemplo disso é a filha do Bautista. Ela resolve, sem ter sido chamada e a troco de porra nenhuma, se meter no meio da galerinha que faria a missão porque uma mulher que ela conheceu 2 semanas antes havia se infiltrado em Vegas para tentar pegar uma grana e assim dar uma vida melhor a seus filhos. Essa anta, ao invés de garantir sua sobrevivência e dar uma assistência aos filhos da mulher (ou simplesmente sumir, o que seria válido considerando que ela está nos EUA e essas crianças provavelmente não vão ser vendidas como escravas), vai arriscar sua vida para tentar salvar alguém que tudo indica estar morto, podendo ela mesmo morrer e deixar as tais crianças ainda mais desamparadas.
Outra situação é uma na qual decapitam um zumbi especial e exclamam: “Quando os zumbis acharem esse corpo sem cabeça aí vai dar merda.” E aí o que eles fazem? Escondem o corpo? Tentam dificultar que achem o tal corpo? Não! Deixam a caralha do corpo lá! E, puta que o pariu, todas as soluções que o roteiro traz são preguiçosas e bestas como essa e isso prejudica demais a experiência de alguém que não gosta de ser tratado como idiota ou criança, sendo que esse é um filme que visualmente não é para criança, em que toda criatura é basicamente uma sacola cheia de sangue que explode e jorra rubro pra todo lado quando dá uma leve topada no pé da mesa.
Os filmes do Snyder também costumam ter umas inserções um tanto forçadas de músicas famosas em suas mais diferentes versões. Aqui não é diferente, mas o nível de obviedade do que foi escolhido chega a causar náusea. Estamos em Las Vegas, então é claro que vai ter que ter Elvis Presley e vai ter que ter “Viva Las Vegas”. Temos zumbis, então por que não terminar o filme tocando “Zombie” do The Cranberries? Confesso que nessa hora eu realmente cheguei a ter uma certa ânsia de vômito, razão pela qual quero aproveitar pra mandar um salve pra pessoa mais deplorável que eu conheço, o lendário Juninho.
Dito tudo isso – e sei que falei coisa para um caralho -, contudo, entretanto e todavia, por mais que o roteiro do filme seja um negócio sofrível, infantiloide e previsível até o cu fazer bico, Snyder aqui está no seu auge no que tange a qualidade de tudo que a gente vê na tela. A se escusar a indumentária equivocadíssima de pessoas indo para um lugar infestado de zumbi – o que é lugar-comum em produções desse subgênero, então a gente dá um desconto -, toda a produção visual, o esmero técnico, a cinematografia, maquiagem o som e até mesmo a onipresente câmera lenta estão em um nível de excelência tal que fazem com que o filme valha a pena, isso, claro, caso você consiga se infantilizar ali pelos desnecessários 160 minutos de exibição da obra.
À exceção de um CGI de um tigre e de um cavalo que me pareceram destoar, todo o resto está lindo, com muita gente e muito mais ainda zumbis morrendo de formas espetaculares e sanguinolentas. Snyder aqui consegue a proeza de não cansar o espectador como costuma acontecer em filmes de ação que só têm mesmo a ação para mostrar, exatamente como é o caso aqui, mas a ação e a violência são tão bem filmadas e com uma qualidade técnica tão fora da curva que as cenas conseguem se manter frescas o tempo todo.
Em suma, amiguinhos, Army of the Dead coroa a carreira de um cara que, assim como seu público (no qual eu me incluo), sempre celebrou a infantilização do adulto, com isso se tomando corpo aqui no roteiro pueril, que serve única e exclusivamente de veículo para cenas espetaculares de sangue espirrando e explodindo para todo canto. De uma maneira torta e talvez até mesmo equivocada, Army of the Dead cumpre seu propósito de entreter, fazendo questão e uma força enorme de não fazer absolutamente mais nada do que isso.
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