Crítica: Mundo em Caos (Chaos Walking)

Depois de aproximadamente um ano e quatro meses sem adentrar uma sala de cinema, acabei sucumbindo ao deleite cinéfilo, mesmo sem enxergar a esperada luz no fim do túnel desta pandemia insolente, e compareci à cabine de imprensa do tal Mundo em Caos, título que, a princípio, seria mais do que oportuno e apropriado ao momento.

Baseado no primeiro livro da trilogia de Patrick Ness, Mundo em Caos é uma espécie de faroeste de ficção científica, ambientado em um planeta distante e colonizado com um pequeno povoado, onde os pensamentos dos homens podem ser ouvidos pelos outros, numa espécie de “voz da consciência” em alto e bom tom.

Embora a expressão “sem pé nem cabeça” possa ter alcançado níveis nunca antes imaginados em diversos momentos da trama, é possível que a saudade que eu estava do cinema, a necessidade de apreciar qualquer obra na telona e o nível de cafeína no meu sangue tenham me feito ter mais boa vontade com o filminho de sessão da tarde do que ele merecia.

É possível dizer que o filme comandado por duas estrelas da franquia Disney (Tom Holland, o Homem-Aranha e Daisy Ridley, a Rey de de Star Wars), se passa em algum momento no futuro, em um planeta fora do Sistema Solar, mesmo que o roteiro se recuse a fornecer maiores informações sobre o tempo-espaço da história.

De uma maneira praticamente intuitiva, acaba sendo possível compreender que alguns terráqueos deixaram o seu planeta de origem, provavelmente degradado e com escassez de recursos, para semear novos sistemas e buscar uma melhor qualidade de vida em meio ao caos.

Todd Hewitt, protagonizado por Tom Holland, é aquele personagem adolescente que varia momentos de ingenuidade e valentia, subsistindo na pacata vila de Prentisstown, localizada em um planeta que parece abrigar colonizadores esquecidos, sendo todos eles homens chucros.

Depois de um bom tempo sem maiores direcionamentos e com bastante relutância ao “the noise” (a tal “voz da consciência”) que cada valentão emitia involuntariamente, somos informados de que a população nativa dizimou todas as mulheres da região, incluindo a mãe de Todd, durante uma guerra entre eles e os colonizadores.

Por conta dessa disputa pela sobrevivência no território distante, o intitulado prefeito David Prentiss (Mads Mikkelsen), passa a comandar aquele ordenamento social composto integralmente por membros hipermasculinizados e programados para não demonstrar fraquezas e expressar sentimentos mais profundos, lutando para dominar o “the noise” que habita em cada um.

No meio desse aquário de ruídos, masculinidade tóxica e instintos animalescos, surge a personagem de Daisy Ridley, Viola Eade, que cai de paraquedas (na verdade de espaçonave) nessa conjuntura desgraçada depois que o seu veículo espacial tem uma pane e a leva ao coração de uma floresta localizada no planeta estranho.

É mais do que previsível que Todd ficaria incumbido de encontrar e proteger a forasteira, única sobrevivente de seu acidente brutal. Mais previsível ainda é a paixão que ele começaria a nutrir pela bela moça de madeixas loiras, mesmo que Viola não necessitasse de proteção alguma, sendo mais perspicaz do que a imensa maioria dos brutamontes.

A partir de então surge uma tentativa frustrada de flerte, tendo em vista que o personagem de Holland nada mais é do que uma figura pré-adolescente e virjona que sequer havia se deparado com um ser do sexo feminino até então. Como agravante, temos o fato de que Viola tem acesso a todos os “ruídos” emitidos pela mente do rapaz enquanto ele não consegue descobrir um só pensamento da visitante. Apenas os homens são capazes de emitir o “the noise”, o que soa muito mais como penitência do que virtude.

Com a ausência de química entre o casal principal e a direção pautada em fugas e perseguições, os mecanismos de ficção científica acabam se tornando um atrativo do filme. Esses elementos coexistem com um aspecto de imagem de sobrevivência na selva, bem como através de resquícios de um velho faroeste americanizado, repleto de cavalos, armamentos e tropeções.

Na humilde opinião de quem vos escreve, os prazeres encontrados em narrativas distópicas têm muito a ver com um certo distanciamento, desde que os fios da história sejam bem amarrados. É broxante que Mundo em Caos apenas pincele a história de fundo envolvendo a raça nativa, esqueça da jornada anterior à colonização e demore horas para nos fornecer informações sobre os personagens secundários.

O longa não chega a ter duas horas de duração, mas parece focado em cobrir tanto terreno que não consegue se aprofundar em absolutamente nada, mesmo que tenha momentos razoáveis de ação e aventura. O material disponível parece ser suficiente para compor a primeira temporada inteira de um seriado, mas caminha como um trailer de filme mequetrefe. Às vezes chega a irritar.

Como a linha tênue entre o que é bom e o que é ruim pode ser ainda menos espessa entre os cinéfilos, é preciso ser justo e ressaltar que o orçamento de cem milhões de dólares destinado à produção dirigida por Doug Liman coloca o longa em uma posição de frustração no mercado. Talvez por conta disso o filme que estava programado para ser lançado pela Paris Filmes nos cinemas nacionais em 11 de março, teve a sua estreia adiada para 8 de abril e só será lançado oficialmente no dia 13 de maio.

No fim das contas, Mundo em Caos imerge o espectador em um conceito diferente de espaço cinematográfico, criando um filme que gradativamente ensina o espectador a assisti-lo, sendo esse o ponto alto da experiência. Com a evolução do roteiro, acaba sendo possível se acostumar com a forma com que os personagens interagem, particularmente como protegem os seus pensamentos que são revelados numa espécie de auréola projetada em forma de fumaça colorida.

Mesmo com vários pontos sem nó e com muita preguiça no acabamento de cada ato, eu me atrevo a dizer que se você estiver de bobeira na próxima quinta-feira (13), Mundo em Caos pode servir para distrair a cabeça e de quebra trazer alguns questionamentos existenciais sem maiores aprofundamentos.

A propósito, você gostaria de ler a mente das outras pessoas?

Eu, provavelmente, não suportaria.

Às vezes é preferível se afogar com palavras que nunca foram ditas.

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