Crítica: O Divino Baggio (Il Divin Codino)

Existe uma característica bem específica no MetaFictions que é o encorajamento a todo e qualquer colaborador para que se escreva da forma mais pessoal possível, evitando ilusórias imparcialidades. Não somos críticos profissionais, porque não recebemos por isso. Do contrário, gastamos alguns milhares ao ano para manter as nossas palavras vivas dentro do universo infinito da rede. Assim sendo, esta talvez seja a minha resenha mais pessoal, simplesmente porque O Divino Baggio representa, a um só tempo, três das quatro coisas que mais amo na vida; a saber: Cinema, Itália e Futebol (faltando tão somente o Iron Maiden). Portanto, perdoe-me, caro amigo leitor, mas as frases a seguir não são pensando em você. São uma expressão de amor. Uma carta de agradecimento a uma grande Nação e seus poderosos ícones. É uma revisitação à minha infância, colocando-me, uma vez mais, de frente para um dos meus maiores ídolos: Roberto Baggio (que só seria superado anos mais tarde, após 15 minutos de partida, em 2002, quando um suposto sucessor da 10 Azzurri comandava a Squadra: Francesco Totti).

Um menino narra seu próprio jogo imaginário, enquanto sozinho, com a companhia de uma bola, se multiplica em 22, enxergando balizas invisíveis e multidões enlouquecidas que nunca estiveram lá. Trata-se da história de absolutamente todo e qualquer boleiro. Poderia ser eu, quando fazia o mesmo com uma bola de meia, em um quarto, contemplando a cama do meu irmão como os limites das traves para o gol. Esse menino que abre a cena do filme só não era eu, nem você, pelo fato de que o talento que carregava beirava o incomparável. O pequeno Roberto sonha em ser jogador de futebol, mas uma família composta por 10 pessoas (o número que sonha carregar nas costas de uma malha azul) pode ser um concreto entrave para um devaneio tão pueril. A sorte (mas nunca é sorte, na verdade) é que o menino não é qualquer Roberto. Porque de Roberto, o mundo só precisa de um. Roberto é só Baggio!

O fardo.

As sequências que seguem mostram os dramas de um jovem que adentra o mundo profissional e cruel do futebol, destacando-se na base de um clube pequeno (nesse caso, o Vicenza). O primeiro grande passo – e que para todo e qualquer boleiro parece ser a conquista do mundo – é quando um time de renome o contrata (nesse caso, a Fiorentina). Mas, antes de poder estrear na Série A Italiana, ele sofre uma contusão e precisa de uma intervenção que o afasta seriamente dos campos. O drama se intensifica e sozinho Roberto esboça uma queda em depressão. Mas seu encontro com a Fé (nesse caso, o Budismo), o faz crescer: “onde minhas habilidades param, começa a minha Fé”, determina o ídolo naquela que se apresenta como a mais linda frase de toda a obra. Dali para frente, ele foca cada vez mais em alcançar seus objetivos, independentemente dos obstáculos. Ele nasceu para ser um vencedor.

A diretora Letizia Lamartire não foca tanto no campo de futebol, não foca quase nada na evolução da carreira do jogador. Tampouco estabelece um mosaico dos principais momentos públicos da vida do ídolo (o que costuma ser a grande falha da maioria das cinebiografias). Letizia mergulha no percurso. É tudo sobre o percurso. Interessa-nos, na vida, muito menos aquilo que alcançamos e muito mais o caminho que nos levou até ali. E é acerca desse caminho que O Divino Baggio declama com cenas lindas de introspecção sobre alguém que já fora reconhecido pelo mundo como o maior de sua Nação em todos os tempos e, por algum período, o maior do Planeta. O que fez de Baggio ser divino e não a sua divindade por si só. O vai-e-vem da narrativa, que não situa o espectador nas vitórias gigantes que Roberto teve, mas que pousa em seus momentos de desafio são o ponto alto da proposta da obra.

O percurso.

E, dentre seus principais dramas, aquele que nunca o abandonou nem sequer em seus momentos de sono profundo: a inexplicável batida do pênalti para fora que deu ao Brasil o tetracampeonato e o vice da Italia, em 1994; impedindo-nos de vingar a decisão da Copa de 1970. Outros tantos problemas que teriam feito o maior dos guerreiros definhar foi o que moldou, lapidou Baggio como o único Roberto a ser lembrado. Conhecendo mais de sua história, seus elementos constituidores enquanto ser humano se destacam mais do que as habilidades dentro das quatro linhas do campo verde. Uma ode não a um esporte, não a um ícone ou um ídolo, mas a um ser humano que tanto mais cresceu quanto mais fé teve. E, ainda que ele fosse Budista, eu uso da minha fé (nesse caso, Cristã) para representar esta qualidade desse meu herói: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” (Hebreus, 11:1).

Completamente envolvido pelas cenas que se apresentaram diante de mim, vidrado tal qual uma decisão de Copa do Mundo (que veio a se tornar realidade em forma de conquista apenas em 2006, movido por seu então sucessor, o ídolo dos ídolos, o supracitado Francesco Totti), enquanto as letras subiam, eu permanecia na minha infância, chorando, torcendo, mentalizando e gritando como se a quilômetros de distância ele pudesse me ouvir, pudesse sentir que estava a motivá-lo. E que seu fardo jamais seria carregado sozinho; que estávamos todos aqui a dividi-lo com ele. Porque, como há mais de 20 anos eu já falava para todos os meus amigos que tentavam trazer um protagonismo irreal a uma “paca” chamada Roberto Carlos, em sua seleção… definitivamente, “Roberto… é só Baggio!”

A vitória.

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