Crítica: Super Me (Qi Huan Zhi Lv)
Imagino que todo mundo tem certos sonhos que são recorrentes, especialmente aqueles que nos fazem acordar suados e assustados à noite. Particularmente, meus pesadelos costumam aterrissar em ambientes pós-apocalípticos que foram pro caralho por motivos que ignoro, fico apenas em um estado de confusão tentando entender o que está acontecendo. Também é muito comum eu sonhar com tornados em noites com ventanias, chuvas e raios a todo momento, mesmo nunca tendo testemunhado um ao vivo. Embora eu não saiba o que isso queira dizer – se é que quer dizer algo e que meu psicólogo não leia esse texto -, há certo mistério e diversas suposições que tentam explicar os sonhos. Vamos desde Freud com seu id, ego e supergo operando em seu inconsciente, até Jung, abordando os sonhos como parte do nosso íntimo que somente nesse estado específico de consciência podemos explorar. De certa forma, nós vivemos esses momentos. Essas experiências ficam conosco e nos afetam, mesmo depois de acordados, como se trouxéssemos desse universo, que existe somente em nossas cabeças, algo para o mundo real. E se de fato você pudesse trazer qualquer coisa do seu sonho para a realidade? Eis que a produção chinesa Super Me pega esse argumento e transforma numa experiência tão traumática pra mim quanto um apocalipse de tornados.
Seguimos Sang Yu, que é um camarada que está vivendo na penúria, sem emprego, lugar para morar e passando fome. Somado a isso, ele luta para não dormir, já que sempre que cai no sono um ser demoníaco o persegue para matá-lo, de forma brutal e muito vívida. Numa dessas tentativas de acordar – naqueles sonhos que você sabe que tá sonhando – ele acorda com algo em mãos, algo que ele estava segurando no sonho. É aí que ele percebe o potencial que essa sua habilidade possui. Passamos o longa com ele administrando seu poder de controlar seus sonhos, sempre em lugares com objetos de valor que ele pode trazer para a realidade e fazer uma grana em cima, além de dar umas porradas no demônio que agora já não é tão ameaçador assim.
Abrem-se as porteiras pra uma avalanche de merdas. Talvez a pior tenha sido o tom e o gênero do filme, que até agora luto para entender qual era. Tem de tudo; terror, ação, fantasia, romance, comédia, drama… Eu não conseguia sintonizar uma frequência para absorver o filme e isso me roubou a chance de entrar na obra. Muitas dessas giradas de chave se deram nas atuações, que iam desde momentos realmente bons e que entregavam uma emoção genuína e outras tão galhofadas que pareciam esquetes de conclusão de curso. Além disso, o ritmo da obra não agrada. Ficamos muito tempo presos nesse vai-e-vem do dorme e acorda, explorando inúmeros cenários diferentes, mas com a mesma conclusão. Apenas quando Sang Yu mira na mulher que ele quer seduzir e começa a despertar a atenção indesejada da máfia chinesa é que temos uma progressão na história.
Contudo, o final é daqueles bem preguiçosos, manjados e covardes. Saca o ser demoníaco que eu falei anteriormente? Bem, acho que você já sabe a resposta. Esse é o nível de previsibilidade da obra. Mas nem tudo está perdido. Os efeitos visuais são interessantes e existe ali uma certa crítica social que eu não sei como escapou aos radares do ministério da cultura chinês. Caso você não saiba, toda produção cinematográfica passa por esse crivo governamental, inclusive filmes estrangeiros. Esses então, possuem diversas regras para estrear no país e existe um número máximo de longas permitidos anualmente. Mas, independentemente da origem, você não pode retratar a China, sua cultura, governo, população e história de forma a enxovalhá-los.
E cá estamos num filme chinês, numa China que abraçou o mercado aberto, mas ainda se diz socialista (e, teoricamente, abraça seus ideais), com enorme desigualdade social, concentração de renda, ausência de auxílio estatal, moradores de rua, uma máfia que preenche espaços que o Estado ignorou e, de forma mais gritante, temos a valorização do acúmulo de bens e riqueza como objetivo de vida do nosso protagonista. É um feito e tanto ou alguém aí deu um cochilada e vai acordar numa campo de reeducação em Xinjiang.
Mas mesmo não se juntando aos excelentes e muito citados aqui na redação longas chineses, como o Big Fish & Begonia e Pérolas no Mar, Super Me vale só se você quiser esquecer que o mundo existe e tirar uma soneca.
Leave a Comment