Crítica: Vincenzo (Binsenjo)
Sou de família italiana e apaixonado pela Itália. No Cinema, além dos filmes italianos, minha maior referência são os asiáticos, em especial os sul-coreanos. Sou dorameiro, além disso. E quando descobri que estava para sair um dorama cujo personagem principal era um ítalo-coreano mafioso, eu falei “pronto! Meu alter-ego!”. Com estreias semanais, aos sábados e domingos, chegamos hoje à conclusão de um excelente dorama da Netflix, contendo muita ação, mistério, drama e tensão (e muito, mas muito pouco romance, o que não é comum no gênero): Vincenzo!
Vincenzo Cassano (pelo ótimo Song Joong-Ki) é esse tal ítalo-coreano consigliere da máfia, que necessita fugir da Itália para evitar novas desavenças. Voltando à sua terra natal, Vincenzo se vê em meio a um embate cultural e sentimental: na Itália, é visto como um “porco amarelo” (curioso apelido ocidental aos asiáticos, uma vez que os coreanos tendem a ser mais claros do que muito europeu latino) e na Coréia do Sul é considerado como um estrangeiro, cujo nome imperativo “Vincenzo Cassano”, de início, gera brincadeiras e chacotas dos conterrâneos. Mas, para muito além disso, nosso protagonista é um mosaico de extremos negativos e positivos, guardando nesse meio muitas nuances que fazem deste personagem alguém tão sedutor (em todos os sentidos) que até os próprios coadjuvantes se apaixonam pela ideia que fazem dele próprio.
Vincenzo precisa resolver uma questão nada simples: acessar o porão de um prédio com vários inquilinos dos mais variados tipos, onde há toneladas e mais toneladas de ouro. Em meio às suas investidas, ele vai se relacionando com aquelas pessoas e criando laços, na medida em que todos passam a ser alvo de um grande conglomerado que quer comprar e demolir o local para erguer uma torre moderna e imponente, utilizando-se das formas mais ilegais possíveis para alcançar o objetivo. Mas Cassano não pode permitir que seu ouro seja soterrado, então deve agir contra verdadeiros corruptos com um quê de psicopata. O dorama, portanto, traz algo muito comum em várias dessas narrativas: a denúncia das grandes corporações coreanas (incluindo brigas familiares internas para herdar o controle das empresas) e – pasmem! – a exposição de todo um sistema de corrupção em diversos setores do país (seria mera ficção ou a Arte falando da realidade?).
O que mais nos envolve ao acompanhar 20 episódios de cerca de 1h15min cada um é a forma como a direção, firme que só, consegue atravessar extremos sem se perder pelo caminho: Vincenzo – a série, e também o personagem – vai de violência mafiosa, com práticas de tortura, à comédia em um piscar de olhos, sem que deixe um quê de esquizofrênico no desenvolver da trama. Tudo ali é muito bem dosado e os seus muitos personagens são delicadamente construídos, fazendo cada um de nós nos apaixonarmos por uns tantos e odiar por completo outros mais. A construção dos vilões é um dos pontos altos da produção, não dissolvendo nosso sentimento de raiva em dois principais, mas multiplicando-o. Encarnados pelo sádico Jang Jun Woo (em ótima atuação de Taecyeon) e pela, – em minha opinião – pior do que ele, advogada Choi Myung Hee (em incrível trabalho de Kim Yeo-Jin), os antagonistas são parte do combustível principal da narrativa. Em contrapartida, a lapidação dos protagonistas (Vincenzo e a advogada Cha – pela excelente Jeon Yeo-bin) é de uma delicadeza rara: ambos guardam seus elementos completamente julgáveis, mas outros tantos lindamente nobres. São seres humanos e enquanto tais carregam em si o bem e o mal. “Não me curvo diante da Justiça, porque ela é falha. Enquanto isso, usarei eu meus métodos”, fala algo semelhante, ao se declarar vilão, nosso incomparável Vincenzo.
Envolvendo-nos, ao longo de seus episódios, em diversas tramas, chegando ainda a mergulhar fundo em um drama familiar (ou dois, na verdade), Vincenzo deixa a sensação de que é uma série bastante completa: cada um desses gêneros pelos quais passeia (ação, drama, comédia, thriller, mistério, além de flertar com temas policiais, julgamentos, investigação e crime) saciam por completo o espectador, entregando-nos uma obra bastante completa naquilo a que se propõe. Como já dito, sem se perder em nenhuma dessas caminhadas, a habilidosa direção de Kim Hui-won vai nos levando por todos esses lugares, sendo precisa em cada uma de suas colocações. E, bem para além disso, os temas ressaltados pela narrativa não se apresentam de maneira rasa, mas sendo tão necessários à trama quanto à sua discussão posterior.
Dizem que dorama é um estilo de produção com nicho específico. E acredito mesmo que seja. Mas Vincenzo consegue ir tão além em toda a proposta que pode agradar a quem não está inserido no universo dorameiro. Não à toa, figura no Top10 Brasil da semana. Que assim permaneça, já que esta série tem muito a oferecer. Um turbilhão de sentimentos dentro de uma passeio aos vários gêneros, Vincenzo é uma produção que merece destaque.
Leave a Comment