Crítica: Céu Vermelho-Sangue (Blood Red Sky)

Em 1922, o alemão F. W. Murnau lançava sua adaptação de “Drácula” para os cinemas, fazendo de seu “Nosferatu” o primeiro grande clássico filme de vampiro da História da Cinematografia. Naquela ocasião, a obra introspectiva apresentava a imperativa impossibilidade de um vampiro fazer parte da sociedade, sendo um ser abjeto fadado a habitar nas sombras de seu castelo afastado e decadente, enquanto recebia um vívido burguês jovem corretor de imóveis. Um século depois, a Alemanha lança um novo filme de vampiro, tratando, dessa vez, sobre a tentativa de um ser das sombras conviver diariamente como um ser humano comum. Apesar das semelhanças físicas entre os vampiros afastados em 100 anos um do outro, a nova produção tem uma pegada completamente diferente daquela, flertando muito mais com ação do que a introspecção dramática e aterradora proposta por Murnau.

Nadja (Peri Baumeister) é uma mulher que aparentemente enfrenta problemas de saúde. Em meio a seu drama pessoal, precisa cuidar de seu filho pequeno que demonstra, surpreendentemente, uma maturidade muito maior do que deveria para alguém de sua idade. O objetivo deles é chegar nos Estados Unidos para fazer um tratamento que possa garantir uma qualidade melhor de vida a Nadja. Porém, ninguém esperava que um grupo terrorista fosse sequestrar o avião e que o grande segredo de Nadja e seu filho Elias (Carl Anton Koch) viria à tona. E, nesse momento, você se pergunta (se ainda não assistiu ao filme) o que bolas uma sinopse dessa tem a ver com vampiros. E você teria toda razão. Em meio ao sequestro, o grupo de europeus meliantes tenta incriminar passageiros árabes, fazendo deles figuras ameaçadoras, já que toda a sociedade ocidental coloca este alvo nesta etnia. É nessa luta por sobrevivência que somos apresentados à real versão de Nadja: ela não tem problemas de saúde; ela é um vampiro (na caracterização mais semelhante ao Nosferatu de Murnau).

Homens mais monstros do que monstros.

O que temos aqui é um misto de filme de avião (sei que isso não é um gênero, mas sabe aqueles filmes de ação todo passado dentro de um avião? Então, é bem por aí), com debate sobre preconceito, embebido na mitologia de vampiros. Parece uma esquizofrenia só, mas tem seu charme e sentido. Uma vez que o vampiro para nós é o ser abjeto, obrigado a viver nas sombras, visto como ameaça por todos e rejeitado em absoluto, da mesma forma surge a figura do árabe neste conto. Um paralelo entre ambos para nos fazer debater a forma como olhamos para o outro. Apesar de não focar no debate, nem mergulhar no drama dos conflitos de seus personagens, o filme envereda diretamente pelo gênero de ação e a tentativa de sobrevivência diante de um vilão que tem toda a característica do vilão absoluto de almanaque. Personagem sem nuances, que é detestado até mesmo pelos seus comparsas, que não tem qualquer ética (nem mesmo no mundo do crime) e se delicia com toda a sorte de sadismos.

Se a base do filme é interessante, ao querer discutir o papel social de pessoas que diferem entre si, trazendo surpreendentemente a mitologia do vampiro para isso (já que a de zumbi está sendo largamente utilizada para este e outros assuntos), por outro lado temos nessa construção de personagens uma falta de delicadeza. Nadja e Elias, sim, junto com o amigo árabe, são bons personagens, mas cuja sensibilidade vai se perdendo diante da ação que grita mais alto a cada sequência. O filme definitivamente é uma obra de ação do mesmo estilo que já vimos vários por aí, mas que traz esse diferencial, correndo o risco de tornar tudo um pouco mais doido do que de costume. Mas nisso ela não falha. Consegue segurar suas rédeas e exibir uma produção deste gênero que satisfaz o seu espectador. O que fica no ar, porém, é a subutilização de seus personagens que podiam gerar algo mais profundo. No entanto, talvez essa não tenha sido a intenção de Peter Thorwarth, que assina a direção da obra.

Monstros mais humanos do que seres humanos.

Ao pesquisar na Netflix sobre este título, você o encontrará etiquetado como “filmes de terror”, mas no imbd (mais certeiro) observará “ação, thriller, horror”. Se espera ver um filme tradicional de vampiro, é possível que fique frustrado. Mas se vier de mente aberta a um uso diferenciado do vampiro em um contexto mais de ação pela ação, então a obra poderá te agradar mais. Unindo um ao outro, temos um resultado satisfatório, com passagens bem interessantes.

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